À espera de Cat Power

Cat Power

Chan Marshall regressa a Portugal este fim de semana.

Há mais de sete anos que não a vejo ao vivo. Tomei a decisão consciente de não ir ao Super Bock Super Rock, há pouco mais de um ano, só para a ver. O Meco e um festival como aquele estão longe de ser as condições ideais para assistir a um concerto de Cat Power, mesmo após um álbum mais animado como Sun. Não sei se fiz bem ou não, até porque tenho um ângulo morto qualquer relativamente a ela: nada do que ela faz me parece mau e, quando algo corre mal, tendo a recorrer ao contexto para o explicar. Portanto digam-me vocês: fiz mal?

O concerto de Cat Power no Coliseu de Lisboa, há sete anos, foi o tipo de concerto que só Chan Marshall pode dar: uma estranha mistura de grandes músicas, desconforto, danças estranhas e problemas de som. Mas não me interpretem mal: a parte das grandes músicas vale muito mais do que tudo o resto. E é por isso que suspiro por um concerto dela, sete anos depois.

Pode ser que me saia o tiro pela culatra, como aconteceu em 2006, numa fria noite de dezembro. Era, se bem me lembro, o primeiro concerto da digressão… com uma banda nova. Demasiados pequenos problemas acabaram por afetar o estado de espírito dela e, arrisco dizer, o do público. Ponhamos as coisas assim: ao contrário do que viria a acontecer no Coliseu em 2008, não saí de lá feliz.

O que podemos esperar, então, de um concerto de Cat Power em 2015? Fazer previsões muito específicas continua a ser um jogo arriscado quando falamos de Chan Marshall, que nunca deve ter dado um concerto normal na vida, mas longe vai a forte instabilidade que reinava nas suas digressões na viragem do milénio. Nos dias que correm, o pior que pode acontecer (e portanto, de acordo com a lei de Murphy, vaiacontecer) é ela não tocar uma “Metal Heart” (muito pouco provável não tocar) ou uma “Good Woman” (isso é que era bom!).

Coisas que podemos esperar:

Altos e baixos

Chan Marshall é temperamental, mas os altos e baixos a que me refiro dizem respeito à música, não à mulher. E também não falo da qualidade, que tudo o que ela faz cumpre os requisitos mínimos e ainda deixa uma boa margem de manobra. Falo simplesmente de misturar canções como “3, 6, 9” (uma das canções de Sun que costuma tocar) com “Hate” ou “In This Hole” (continua a sonhar, Filipe). Com mudanças de temperatura deste género, é bem possível haver quebras de ritmo e acabar por não se estabelecer aquela ligação entre a música e o público. Eu tendo a abraçar isto como parte integrante do concerto mas há quem não aguente tão bem. Nada contra – percebo perfeitamente que seja mais difícil de estabelecer uma ligação com a música num concerto menos coeso do que o ideal.

Desconforto

Ela dança de forma estranha. Ela diz coisas estranhas. Ela queixa-se do som. Ocasionalmente, dispara umas palavras para um músico. Às vezes, para canções a meio e retoma-as. A maior parte das vezes, no entanto, não as retoma. Depois, há os clássicos sons de “deixa cá ver se esta guitarra está com a distorção certa” que parecem durar mais do que o que seria razoável. Estão preparados para isso?

Bem, não se assustem. A verdade é que faz parte da performance. Vale a pena pegar naquele velho adágio: se querem ouvir música reproduzida na perfeição, ouçam os discos. Acolham o desconforto e aproveitem.

Covers

Se há, no imprevisível mundo de Cat Power, algo com que podemos contar, é que o concerto terá covers. Com dois álbuns, The Covers Record e Jukebox, inteiramente dedicados à arte de fazer versões, é mais que certo de que poderemos contar com algo como “(I Can’t Get No) Satisfaction” ou, se tivermos muita sorte, “Sea Of Love”. Um concerto de Cat Power pode muito bem ter quatro ou cinco canções não originais. Mas, se nunca ouviram o que ela faz às músicas, podem ficar descansados: é como se fossem dela.

Momentos sublimes

Há poucas coisas tão boas na vida como ouvir “Metal Heart” ou “The Greatest” ao vivo. Se porventura ela lhe juntar uma “Good Woman”, “American Flag” ou “The Moon”, aceitem, agradeçam e sintam-se felizes de barriga cheia. Mas o mais curioso é que, mesmo sem uma série de canções obrigatórias, há tantos momentos incríveis num concerto de Cat Power… Uma pessoa chega a ficar irritada. Com o talento genuíno de Chan Marshall, com a força crua de canções que nasceram da dor, há sempre aquele acorde, aquela sequência, aquele momento em que nos cai tudo por estarmos a testemunhar algo fantástico.

Sonhar com o alinhamento perfeito

Que fique registado: isto nunca vai acontecer. Mas sonhar não custa, certo? Se eu mandasse, este fim de semana saíamos do CCB (31 de outubro), em Lisboa, ou do Hard Club (1 de novembro), no Porto, todos deprimidos, de lágrimas nos olhos e coração apertado… mas estranhamente felizes.