O ano de Natalie Prass

Natalie Prass

A história de uma voz pequenina e de canções gigantes.

Há um ano ninguém a conhecia. Em 2014, depois de alguns anos a tentar ganhar nome na música sem sucesso e com algumas frustrações na bagagem, Natalie Prass teve a coragem, o talento e a sorte de se candidatar – com um vídeo manhoso gravado com um iPhone – a um lugar na banda de Jenny Lewis. Meteu, portanto, o pé na porta e começou a aparecer num mundo que até então nada lhe tinha dado senão dores de cabeça.

Criada mas não nascida em Virginia Beach, no estado norte-americano da Virginia, Natalie Prass conheceu o conterrâneo Matthew E. White no 8º ano e chegou a ter uma banda com ele, algo que viria a ser determinante para a sua carreira. É que o homónimo Natalie Prass, álbum de estreia lançado em janeiro de 2015, foi produzido por White e editado com o selo da sua Spacebomb. O mais curioso é que o álbum esteve mais ou menos três anos na gaveta (uma das dores de cabeça referidas acima) porque a Spacebomb demorou a ter capacidade financeira para o lançar convenientemente. E porquê? Por causa do dinheiro investido anteriormente na produção e promoção do primeiro álbum de Matthew E. White. Ele, de resto, também lançou um belo álbum (o segundo) este ano.

O facto de ter aparecido leve mas firmemente no roteiro da nova música obrigatória atesta o talento de Natalie Prass, mas também uma capacidade de trabalho e maturidade bem acima da média. Quem a viu em Paredes de Coura percebe o que quero dizer: ela não faz isto assim há tanto tempo – porque raio é que não se nota?

A mesma pergunta pode ser feita acerca do álbum. A companhia da bem rodada Spacebomb House Band e os arranjos produzidos por Trey Pollard ajudaram de certeza, mas há algo de extremamente confortável na música de Natalie Prass, como se tivesse nascido ensinada (a música, não ela). É possível que tenha a ver com o facto de se perceber todas as palavras que canta ou mesmo com a voz pequenina, frágil e doce que as pronuncia. Se a música nos agrada, estabelecem-se relações mais facilmente quando a mensagem é clara. E a música – a esta altura já não é novidade nenhuma – agrada-me.

“My Baby Don’t Understand Me” abre o álbum da melhor forma possível. Tão bem que quase podia ser tema de fecho também, com aquela repetição maravilhosa do verso “Our love is a long goodbye” a tornar épico o que parecia ser, até àquele ponto, apenas uma (belíssima) balada. E os arranjos dos instrumentos de sopro e cordas são qualquer coisa de extraordinário, bem como alguns pormenores de piano, guitarra e bateria. É gigante de uma ponta à outra (sendo que a outra ponta – ou seja, a final – é simplesmente perfeita) e só apetece voltar a ouvi-la vezes e vezes sem conta.

O estilo marcadamente soul de Natalie Prass torna-se óbvio em “Bird Of Prey”, o single de piano saltitante, cordas deambulantes e parafusos bem apertados. A forma como Natalie Prass canta os versos “Ooh, and I never said I didn’t want you knocking on my door / All this run and chase, it’s almost like I planned it” e as linhas seguintes é a cereja no topo do bolo – um bolo cheio de substâncias viciantes.

Sinto-me impelido a destacar ainda a lindíssima “Violently”, outro dos pontos altos do álbum e espécie de canção-resumo do que Natalie Prass pode dar-nos de melhor. Uma canção em que a modéstia e contenção do desempenho vocal de Natalie Prass se cruzam com a grandiosidade instrumental de uma big band clássica. O resultado é estupidamente bom e faz-nos perceber que o truque, aqui, não foi recriar o imaginário da soul clássica dos anos 70 nem modernizá-lo. Foi misturá-los de corpo e alma. E o resultado é este que se ouve.

A sensibilidade pop de Natalie Prass leva-a, na nossa imaginação, a sítios tão inusitados como o cenário digno de um filme da Disney, sendo “Christy” a piscadela de olho que antecede a transformação total em princesa com direito a vestido de gala e tudo que ocorre em “It Is You”. E assim termina o álbum, com uma espécie de batalha épica entre os impressionantes arranjos de cordas e a voz de Natalie Prass.

Podia falar de “Your Fool” e “Why Don’t You Believe In Me” mas estaria a entrar em modo overkill. Façam um favor a vocês próprios e ouçam o álbum.