Forgiveness Rock Record

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Os Broken Social Scene são responsáveis por dois dos melhores álbuns da década passada: You Forgot It In PeopleBroken Social Scene. O primeiro foi a grande porta de entrada para muitos dos que viriam a tornar-se fãs da banda. O segundo foi a minha porta de entrada. Estes foram o segundo e terceiro álbuns da banda, respectivamente, depois de um disco de estreia quase totalmente instrumental que funcionou como despedida dos tempos dos K.C. Accidental, a banda de pós-rock de Brendan Canning e Kevin Drew.

Em You Forgot It In People, os Broken Social Scene mostraram-nos que passar do oito ao oitenta não é difícil e não fica sempre mal. Que outra banda conseguiria colocar “Anthems For a Seventeen Year Old Girl” e logo a seguir a explosiva “Cause = Time”? Eles mostraram-nos que uma mistura de doçura, agressividade, badalhoquice e boa música não só não é impossível como até consegue ser ligeiramente desejável.

Em Broken Social Scene, por outro lado, tentavam confirmar que o sucesso do álbum anterior não tinha sido fruto do acaso. O produtor era o mesmo, um tipo absolutamente doido chamado Dave Newfeld que gostava de chamar Emily Haines, Amy Millan e Leslie Feist às sessões de estúdio só para as pôr a gritar. A lista de membros da banda crescia exponencialmente, chegando quase às duas dezenas, e para aí metade eram guitarristas! “Ibi Dreams of Pavement (A Better Day)”, “Superconnected”, “It’s All Gonna Break”, “7/4 (Shoreline)” e “Fire Eye’d Boy” eram todas canções dominadas pelas guitarras ora agressivas e rápidas, ora épicas e envoltas num mar de metais. A produção, argumentam alguns, estragou as músicas, tornando-as confusas, disfuncionais, soltas e sabe-se lá mais o quê – a própria banda ficou algo descontente com o resultado final. Ora, perdoem-me o atrevimento mas… eles não sabem do que falam. Broken Social Scene é um portento, uma obra-prima de uma banda no seu melhor momento criativo de sempre. Vão ouvi-lo, vá.

Quase cinco anos volvidos – e depois do fantástico álbum a solo de Kevin Drew e do não tão fantástico álbum a solo de Brendan Canning – chegamos a Forgiveness Rock Record. Nestes cinco anos, para além dos álbuns a solo dos dois principais elementos da banda, aconteceu muita coisa: a banda esteve em digressão quase sempre desfalcada, Justin Peroff e Andrew Whiteman (acho) chatearam-se a valer, Sam Goldberg e Lisa Lobsinger juntaram-se oficialmente à banda. Enfim, parece que a coisa não andou famosa durante estes tempos, motivo pelo qual estiveram bastante tempo parados, pelo menos enquanto banda.

Forgiveness Rock Record ia matar a minha sede de guitarras e músicas grandiosas daquelas que crescem até ao fim. Neste sentido, é impossível esconder a desilusão. Sim – sou um fã relativamente desiludido. Aviso já que o álbum é óptimo (estraguei a crítica?) mas também posso dizer que, pelas expectativas, pela espera, por tudo e mais alguma coisa, estou desiludido com Forgiveness Rock Record. Não só não é um álbum de guitarras (já explico) como não há uma única coisa que me faça sequer lembrar o lado épico dos Broken Social Scene. E tragédia das tragédias: tanto quanto consigo dizer, Emily Haines, Amy Millan e Feist cantam em apenas uma música: “Sentimental X’s”, que nem sequer é nada de especial.

Agora, juro que não estou a racionalizar quando digo que o álbum é óptimo. E sim, apesar de não ser um álbum de guitarras, tem-nas em número bastante satisfatório: os singles “World Sick” e “Forced To Love” são grandes exemplos.
“Art House Director” dá-nos guitarras e metais… mas é como se fosse Verão. Quando em “Ibi Dreams of Pavement (A Better Day)” havia uma sensação tensa de dia do juízo final, nesta nova música há animação no ar, há ritmo frenético, há brincadeira. Quando dizia há umas semanas que os artistas são animais de circo, era exactamente a isto que me referia. Eu percebo que, nos dias que correm, os Broken Social Scene sejam um conjunto de pessoas mais felizes e descansadas… mas eu não sei se consigo viver com isso. É óbvio que a música é boa – raios, são os Broken Social Scene! – mas eu não quero só boa, quero espectacular. Não quero top 10 de 2010, quero o melhor álbum do ano!

Além das guitarras, há o já habitual momento doce e delicado do álbum – “All to All”. Nos dois álbuns anteriores, “Anthems for a Seventeen Year Old Girl” e “Swimmers”, cantadas pela [inserir adjectivo aparentemente exagerado] Emily Haines, são invariavelmente pontos altos. Em Forgiveness Rock Record, não. Mais uma vez, a música é boa e Lisa Lobsinger (uma fã que se tornou membro da banda) tem uma voz muito agradável, como de resto pudemos comprovar em Paredes de Coura há quatro anos. Mas… não é a Emily Haines. Nem sequer a Amy Millan. Vozes distintas e muito bonitas que não se deixam afundar por camadas de pop semi-electrónica. E sim, eu sei que já pareço um velho incapaz de aceitar a evolução mas… pá, não pode ser.

Uma das melhores do álbum é “Ungrateful Little Father” que, além de um título bastante bem esgalhado (ouçam a música e façam as contas), tem boa pinta, tal como “Chase Scene” (onde Kevin Drew canta que está preparado para morrer e para lutar pela “Scene” da sua vida). Aqui não vou dizer que nos outros é que era. São duas músicas diferentes e muito, muito boas. O miolo do álbum está cheio de boas canções: “Highway Slipper Jam” – que tem oficialmente o pior início de sempre – é um belo momento de descompressão (sobretudo para mim, que ainda não assimilei muito bem a ideia de um álbum assim) e a instrumental “Meet Me In The Basement” dá-nos guitarras, muitas guitarras, e riffs, muitos riffs, e faz lembrar uns Deerhunters mais festivos. Padece é um pouco do mesmo problema das outras canções de guitarras deste álbum: os riffs são muito in your face, às vezes quase óbvios.

As minhas palavras mais especiais têm de ir para “Sweetest Kill”. Já falei dela aqui – na altura era conhecida como “Untitled 2”. Chamemos-lhe balada. Esta balada é seca e simples mas bonita quanto baste para fazer um belo contraste. A voz de Kevin Drew aparece ligeiramente enfeitada com ecos e uma ou outra manipulação mais agressiva mas está brilhante (naquele estilo de quem não se importa muito), como sempre. Nesta canção, os pormenores da guitarra fazem toda a diferença – dão-lhe aquele bocadinho adicional de graça que a torna realmente especial.

Contas feitas, o álbum é muito bom. Tem momentos menos inspirados (mas não obrigatoriamente maus), como “Romance to the Grave”, e não tem nenhum momento que nos leve a pensar que a música vai salvar a nossa vida (eles bem disseram que era mentira), o que é pena, mas… como direi? É muito bom. Certamente um dos melhores álbuns de 2010. Mas, ei, eu adoro-os de morte e a pior coisa que me podem fazer é isto. Ao menos que fosse mau.