The King of Limbs

the-king-of-limbs-radiohead

Ora aqui está uma coisa difícil de escrever.

Os Radiohead são a minha banda favorita. Para mim, representam tudo o que há de bom na música. Tudo. Sou um fã de todas as fases dos Radiohead. Do rock pueril de Pablo Honey à abrangência sonora de Hail To The Thief. Da fusão abafada de Amnesiac à relativa simplicidade de In Rainbows. E The BendsOK Computer e Kid A são os meus álbuns favoritos de sempre. Dito isto, leiam este artigo com uma dose de cinismo.

Aparentemente, The King of Limbs surgiu do nada. Bem, pelo menos, foi uma surpresa. Numa segunda-feira anunciaram o lançamento, na sexta-feira seguinte disponibilizaram a música. E desde então passaram mais de dois meses.

É o álbum mais curto que os Radiohead lançaram: tem apenas oito faixas e uma duração total de 37 minutos e meio. E é um álbum esquisito.

The King of Limbs começa de forma estranha. “Bloom” tem todos os ingredientes de tema de introdução… mas dura mais de cinco minutos. A mistura samplada de piano, batidas e baixo que serve de cama aos versos crípticos de Thom Yorke muda muito pouco durante a canção. E aquela voz surge triunfante, como que a anunciar qualquer coisa… mas ninguém sabe muto bem o quê. “Bloom” cresce a cada audição.

Seguem-se as primeiras guitarras. “Morning Mr. Magpie” foi tocada pela primeira vez há quase 9 anos num webcast da banda e já era um daqueles tesourinhos apreciados pelos fãs. Pois que a versão de estúdio não desaponta e traz de volta o espírito mais rockeiro de In Rainbows. Talvez lhe falte uma explosão, um momento grandioso… mas já há muito que os Radiohead nos habituaram a músicas dominadas pela tensão constante, sem libertação de energia. “Morning Mr. Magpie” é a regra. Mas é impossível ouvir os Radiohead sem estabelecer comparações com o que a banda fez nos últimos 15 anos. E a verdade é que já ouvi b-sides (muito) melhores do que “Morning Mr. Magpie”.

É uma primeira metade um tanto ou quanto desencorajadora. “Little by Little” parece revisitar – ainda que muito levemente – as paisagens de Amnesiac… mas não consegue ser mais do que uma poor man’s “I Might Be Wrong”. É melhor do que a maior parte da música que se faz pelo mundo fora? Sim, eventualmente. Mas não consigo esquecer-me de que estou a ouvir Radiohead. E “Little by Little”, apesar de uma batida e arranjos bastante interessantes, não está sequer perto do melhor que os Radiohead nos conseguem dar.

Quando cheguei a “Feral” pela primeira vez, num final de tarde passado no Alfa Pendular a caminho de Lisboa, não quis acreditar. Reparem: “Bloom”, “Morning Mr. Magpie”, “Little by Little” e, agora, “Feral”. Não há, na primeira metade do álbum, um único momento digno de figurar numa compilação ou no que quer que seja de antologia da banda. E “Feral”, por mais que seja um exercício estético muito curioso, com a sua batida suja, as suas distorções vocais e por aí fora, é provavelmente o expoente máximo desta sequência de momentos pouco marcantes.

Mas a coisa muda de figura quando entra “Lotus Flower”. O primeiro single de The King of Limbs é um grande, grande momento. A já famosa dança de Thom Yorke não tem equivalente sonoro mas aquele refrão, aquele falsete, aquele “There’s an empty space inside my heart” são mais que suficientes para querer ouvir vezes e vezes sem conta. E o baixo, meus amigos, o baixo!

É, portanto, o momento certo para dizer que, de certa forma, Colin Greenwood é a grande estrela deste álbum. The King of Limbs traz-nos um baixo autoritário e omnipresente. E surge na lembrança a brilhante “Airbag”, tema de abertura de OK Computer, e provavelmente uma das melhores linhas de baixo da banda.

Vamos a “Codex”. Balada simples de Thom Yorke ao piano com alguns arranjos electrónicos e de metais, “Codex” é um grande exemplo de uma capacidade aparentemente inesgotável que os Radiohead têm de fazer música muito bonita e muito simples, por um lado sem parecer mais do mesmo, por outro sem reinventar a roda. Definitivamente um dos pontos mais altos do álbum.

“Give Up The Ghost” era a única música nova (“Morning Mr. Magpie” não é nova) que tinha ouvido convenientemente antes do álbum. Adorei-a desde que a ouvi pela primeira vez num vídeo de um concerto do Thom Yorke a solo e a versão final ficou surpreendentemente próxima da que foi tocada naquele concerto. Resignada, “Give Up The Ghost” sofre desvios tão subtis – com destaque para o que acontece ali perto dos 2m50s – que parece não se mexer. Mas mexe-se, mesmo que não à superfície, e a música vai ganhando uma certa aura sobrenatural. A culpa é da guitarra eléctrica (baixinha, baixinha…) e dos “Don’t hold me / Don’t haunt me” de Thom Yorke. A voz e as letras continuam excelentes, como sempre.

O polémico fim chega com “Separator”. A curta duração do álbum – os tais 37 minutos e meio – provocaram em muitos fãs alguma desilusão. Daí às teorias sobre uma segunda metade de The King of Limbs foi, naturalmente, um saltinho. A música não se chamava assim antes e mudaram-lhe o nome para “Separator” para, err, separar as duas metades. Ah, e Yorke diz a determinada altura “If you think this is over, then you’re wrong”. Enfim. Os Radiohead sempre seguiram o caminho mais óbvio, claro.

Bem, de volta à canção. “Separator” é muito provavelmente a música mais subvalorizada deste álbum. O baixo é simplesmente fantástico e a bateria, apesar de constante e repetitiva (um problema transversal a quase todas as canções deste álbum), deixa a música respirar sem, no entanto, ser apenas mais um elemento. Mas o que faz toda a diferença em “Separator” é a guitarra a partir dos dois minutos e meio. É coisa simples mas encaixa tão mas tão bem no caminho seguido por Thom Yorke na canção. Mais uma vez, letra e voz encaixam perfeitamente no resto… e o resto já era fantástico de qualquer forma. Os Radiohead respeitam a sua tradição de fecharem sempre com grandes músicas. E “Separator”, apesar de habitualmente pouco referida, é das melhores canções de The King of Limbs.

Os urbano-depressivos Radiohead foram para o campo e voltaram de lá esquisitos. The King of Limbs é um álbum muito bom, cheio de deliciosos pequenos recantos e de grandes e impressionantes paisagens, mas, se retirarmos o pobrezinho Pablo Honey das contas, não consegue ser senão o pior álbum que os Radiohead editaram. A relativa coerência que apresenta não chega para disfarçar uma primeira metade que não está ao nível do que a banda fez anteriormente. Sim, “Codex”, “Separator”, “Lotus Flower”, “Give Up The Ghost” e, se estivermos cheios de amor para dar, até “Bloom” são óptimos momentos… mas não chegam. The King of Limbs apresenta demasiadas músicas (pelo menos em termos relativos, já que só tem oito faixas) que noutros tempos ficariam aquém dos b-sides editados. A sério: “Fog”, “Cuttooth”, “Gagging Order”, “How I Made My Millions”… e podia continuar por muito tempo.

Continuam a ser os melhores, os maiores e tudo o resto. Mas este álbum não é sequer um In Rainbows, quanto mais um OK Computer ou um Kid A.