A primeira vez que ouvi Jeff Buckley, em 2003, já bastante tempo depois de ele ter morrido, foi graças a uma amiga que entretanto se foi.
Grace foi editado pela primeira vez há 20 anos, no dia 15 de agosto de 1994. Saiu primeiro no Reino Unido, tendo chegado uma semana depois aos Estados Unidos. A expectativa em relação a Grace era enorme – Jeff Buckley tinha chamado a atenção de muita gente com as suas atuações ao vivo – e, talvez por isso, a receção inicial acabou por ser morna. As expectativas da maioria, quaisquer que fossem, não tinham sido cumpridas.
Mas o facto de Grace ter sido acarinhado por grandes nomes da música como Paul McCartney, Jimmy Page e Lou Reed contribuiu certamente para que as opiniões sobre o álbum se fossem alterando com o tempo. Juntem-lhe os concertos memoráveis da banda um pouco por todo o mundo entre 1995 e 1996 e, finalmente, a morte de Jeff Buckley por afogamento a 29 de maio de 1997 e a fórmula fica completa. Venha o culto.
Jeff Buckley é um dos músicos mais influentes da década de 90. E Grace é justamente considerado um dos melhores álbuns da década pela crítica. E se me perguntarem a mim, considero-o um dos melhores de sempre. Uma obra-prima. Um 10 em 10. Um álbum perfeito.
Sou suspeito, já que não consigo dissociá-lo do contexto em que comecei a ouvi-lo. É por isso que falo da minha amiga que se foi. Que se foi para o estrangeiro, para o outro mundo ou, talvez mais acertadamente, para algures entre dois.
Em retrospetiva, a minha paixão pela música de Jeff Buckley está diretamente associada à passagem meteórica desta pessoa pela minha vida. Foi ela que mo apresentou, foi com ela que o fui descobrindo. E foi na companhia da música dele que me despedi dela. Não poderia ter sido de outra forma.
A primeira canção que ouvi dele foi “Lover, You Should’ve Come Over”. Daí até “Last Goodbye” foi um saltinho. E depois veio a hipnótica e enevoada “Dream Brother”, que se agarrou a mim como uma lapa durante muito tempo. “Mojo Pin”, “Grace”, “Lilac Wine”, “Eternal Life”, “So Real” e, claro, “Hallelujah”… todas elas me soam especiais aos ouvidos. E neste chorrilho de referências só falta mesmo “Corpus Christi Carol”, que, por mais bonita que seja, nunca levantou voo comigo. No entanto, não mancha o álbum nem um bocadinho.
Grace é uma entidade estranha na minha vida. Porque é o único álbum digno desse nome que Jeff Buckley editou. Porque tenho com a música do álbum uma relação única, diferente de todas as que tenho com a música de outros artistas, quer goste mais ou menos deles. Porque é como se Grace estivesse num pedestal, isolado e inalcançável ao ponto de quase querer continuar a ouvir tudo “de fora”, ao contrário do que faço normalmente: mergulhar na música e na história dos meus artistas favoritos de forma quase doentia. E é aqui que os mundos se tocam e a minha relação com Grace encontra a minha relação com quem mo pôs nos ouvidos. Porque aquilo da “entidade estranha” não se aplica só ao álbum. Porque também ela era única. Porque foi muito difícil para mim explorar o mundo dela. E porque, tal como acontece com a música de Jeff Buckley, há um efeito de cristalização difícil de afastar. Mas é indiferente. Deixo-vos em paz.
Não se deixem enganar pela dimensão externa à música que envolve a minha relação com o álbum. Bem sei que o contexto é quase tudo mas a música só se cola assim às nossas vidas quando é extraordinária. E Grace é uma coleção de canções maravilhosas, algumas belíssimas, outras estranhas… mas todas elas extraordinárias, definitivamente.
Se nos focarmos em Grace, o resto transforma-se em pouco mais que ruído: a morte dele, as edições póstumas, a influência que teve em músicos de vários quadrantes e, no meu caso específico, até a minha relação pessoal com a música dele. Porque, quando ouvimos “Dream Brother”, é como se nada mais houvesse além da própria canção. Quando ouvimos “Lover, You Should’ve Come Over”, “Grace” e “Last Goodbye”, a mesma coisa. Até as covers mais ilustres como “Lilac Wine” e “Hallelujah” conseguem anular o que as rodeia, inclusivamente as suas encarnações passadas bem sucedidas.
Grace é intemporal, como o próprio Jeff Buckley. Posso passar meses sem o ouvir. Mas acabo por regressar e nunca termino a escuta a pensar que não valeu a pena. Fica melhor com o tempo, como acontece geralmente com tudo aquilo que é genuinamente bom.
Mas, passados 20 anos do seu lançamento, “genuinamente bom” ainda não chega para descrever o que Grace representa. Certamente não para mim.