Cheguei tão tarde aos Radiohead que é embaraçoso. Estávamos no final de 2003, Hail To The Thief já andava na rua há algum tempo e o resto dos álbuns nem se fala. The Bends, que foi editado há coisa de 20 anos, na altura já levava mais de oito nas costas.
Comecei por Pablo Honey, o primeiro álbum da banda, que me agarrou graças a uma crueza que tinha em “Lurgee” o meu ponto alto. “Lurgee” distingue-se facilmente das restantes canções do álbum pela melancolia, por não ser tão adolescente como as restantes.
Lançado dois anos após o primeiro álbum, The Bends mostra-nos uma banda bem mais crescida, a olhar um pouco mais para fora e menos para dentro. “Planet Telex” e “The Bends”, as duas primeiras canções, provam-nos que Pablo Honey ficou mesmo lá atrás. As guitarras do tamanho do mundo continuam lá, claro, mas estão muito mais seguras de si. Ao mesmo tempo, Thom Yorke deu início ao processo de abstração das suas letras, tornando-as menos suas e mais de todos. Ainda há momentos, como “Bullet Proof… I Wish I Was” ou “Sulk”, em que Yorke parece virado para dentro – mas os sentimentos são tão comuns que é fácil tomá-los como nossos. As coisas mantêm-se sombrias mas há uma certa elevação intelectual que nos confunde, que nos divide entre o pensar e o sentir. E The Bends é o primeiro álbum dos Radiohead em que isso acontece. O primeiro de muitos, entenda-se.
Coeso, The Bends é mais do que a soma das suas canções porque todas elas fazem mais sentido acompanhadas do que isoladas. É óbvio que há canções gigantes, como “Just” ou “My Iron Lung”. Mas a tempestade de “My Iron Lung” perde tanto quando não é seguida da bonança de “Bullet Proof… I Wish I was” que o melhor é mesmo ouvir o álbum todo sempre. Não custa nada.
Mas não me vou pôr aqui a escrever a crítica de The Bends – estaria 20 anos atrasado. Interessa-me mais partilhar a minha experiência, o processo de descoberta. O meu amor incondicional por “High & Dry”, apesar de a própria banda a renegar. O meu entusiasmo sempre que “Black Star” começa com o seu “fade in” atípico. A constante estranheza por “My Iron Lung” parecer ligeiramente deslocada (mais tarde viria a saber que isto tem a ver com o facto de terem usado uma gravação ao vivo de tudo excepto a voz). O refrão de “Bullet Proof… I Wish I Was”. A mudança de tom em “Sulk”. A contribuição de Ed O’Brien que deu origem a “Street Spirit (Fade Out)”. Os primeiros versos de “Planet Telex” e de “The Bends”. A competição entre Thom Yorke e Jonny Greenwood em “Just”. E, claro, tudo o que se puder dizer sobre a minha canção favorita de sempre: “Fake Plastic Trees”.
É, juntamente com Kid A e OK Computer, uma das obras-primas dos Radiohead. É o mais datado e o menos evoluído dos três mas é de uma beleza invulgar. E quando as primeiras notas do maravilhoso dedilhado inicial de “Street Spirit (Fade Out)”, que encerra o álbum, chegam aos meus ouvidos, é fácil perceber que os Radiohead se tornaram maiores do que o resto. The Bends é isso mesmo: a passagem dos Radiohead dos tipos que fizeram a “Creep” para o topo da pop internacional. Isso e um álbum do caraças, claro.