A obra-prima da banda canadiana faz dez anos.

Todas as grandes bandas têm problemas. E quanto mais pessoas tiverem, mais problemas há. Só assim se justifica o hiato prolongado e intencional dos Broken Social Scene, uma das melhores bandas que o Canadá nos deu. E é no Canadá que continuam a interromper o hiato para dar concertos ocasionais: desta vez vão tocar a 18 de julho no Pemberton Music Festival. Continuam, portanto, a dar-nos esperança.

O último álbum, Forgiveness Rock Record, foi lançado em 2010 e também ele se seguiu a uma longa pausa de cinco anos. Ou um pouco menos, se contarmos com a digressão da banda, que até passou por Paredes de Coura em 2006.

Mas foquemo-nos em 2005, ano em que a banda lançou o homónimo Broken Social Scene. Depois do sucesso inesperado de You Forgot It In People, de onde saíram músicas como “Lover’s Spit”, “Cause = Time”, “Almost Crimes” e “Anthems For A Seventeen Year-Old Girl”, a fasquia estava muito alta. Mais ainda porque entre os envolvidos (com maior ou menor intensidade) na música dos Broken Social Scene se encontravam nomes como Leslie Feist, Emily Haines e James Shaw (Metric), Amy Millan e Evan Cranley (Stars), Jason Collett, Ohad Benchetrit e Charles Spearin (Do Make Say Think) e Andrew Whiteman, além de Kevin Drew e Brendan Canning, os mentores da banda. Toda esta gente junta promete muito e, consequentemente, gera expectativas altíssimas. E foi o que aconteceu.

Ensaio sobre o exagero

Broken Social Scene é o meu álbum preferido deles. Mas não há muita gente a dizer o mesmo. A maior parte das pessoas olha para este álbum como uma tentativa falhada de repetir a fórmula de You Forgot It In People, desta vez em IMAX 3D e Surround 400.1. Mas que gente cínica, hein?

Percebo de onde vem o sentimento. You Forgot It In People é de facto um álbum sublime e belíssimo. Foi o álbum que deu a conhecer os Broken Social Scene aos Estados Unidos (e, consequentemente, ao mundo). Foi uma descoberta coletiva.

Broken Social Scene não. Diz quem sabe que foi You Forgot Forgot It In People levado ao exagero.

Mas será que foi mesmo?

Para uma banda de 10-15 pessoas, o exagero pode ser um conceito um tanto ou quanto irrelevante. Uma banda que continha em si alguns dos principais nomes da cena indie de Toronto tinha de ser assim. E trabalharam – como tinham feito no álbum anterior – com um produtor que não tinha a menor intenção de limar arestas ou domar a fera. Pelo contrário, David Newfeld era passado dos cornos.

Foge-me também o discurso para o exagero porque algumas das diferenças mais óbvias entre You Forgot It In People e Broken Social Scene parecem estar na produção. Sabiam que houve sessões de gravação dedicadas a… gritos? E não pensem que foi para o boneco. Ouçam com atenção “Bandwitch” e “Superconnected”, por exemplo.

https://www.youtube.com/watch?v=Gh8O8AlxzFI

Mas Broken Social Scene não é o caos total por causa de David Newfeld. Broken Social Scene é o coração da banda em disco. David Newfeld foi apenas um enabler, um facilitador. E eu só posso agradecer por isso.

Os Broken Social Scene têm neste álbum algumas das suas melhores e mais grandiosas músicas. E fizeram-no com reservas. “Major Label Debut”, por exemplo, foi lançada na sua versão mais calma para não terem de a tocar todas as noites para o resto das suas vidas. A versão que de vez em quando se pode ouvir ao vivo é esta:

Mas é um disco gigante de uma ponta à outra. As conhecidas “7/4 (Shoreline)” e “Fire Eye’d Boy” são casos conhecidos mas o que não falta ao álbum são pontos altos: “Swimmers” e “Superconnected” são apenas mais dois. E “Superconnected” ficará para sempre gravada na minha memória por causa de Paredes de Coura.

E aqui começo a chegar à parte em que admito não perceber o que há contra o “exagero” dos Broken Social Scene.

O vício dos crescendos e das explosões

Uma das minhas características favoritas do pós-rock são as explosões pós-crescendo. Os Mogwai, os Explosions In The Sky e sobretudo os meus queridos Sigur Rós sabem do que falo. Pois bem, Broken Social Scene traz o método crescendo/explosão até ao pop/rock, elevando a fasquia para quem alguma vez ousar descrever uma música como épica. E eu quero mais, sempre mais.

É por isso que lá no alto, acima de quaisquer outras, estão “It’s All Gonna Break”, a montanha-russa que encerra o álbum, e a perfeita “Ibi Dreams Of Pavement (A Better Day)”.

A primeira, com versos como “When I was a kid, you fucked me in the ass”, “I know there’s seven thousand things you rather be and rather do” e o gigante “You all want the lovely music to save your life” gritado com o coração na boca exatamente quando a música atinge o seu ponto mais alto. A segunda, que é uma das minhas músicas favoritas de sempre, com aquela espécie de marcha final crescente que poderia durar mais uns bons 5 minutos, que ninguém se cansava. Bateria, guitarras (muitas guitarras), metais, vozes e sabe-se lá mais o quê a transformar o que num primeiro contacto poderia passar só por música… em algo mais.

Todos os concertos do mundo deveriam fechar com uma destas duas músicas. De qualquer artista. Radiohead, Anselmo Ralph, Madonna, Ana Moura, Kanye West, Bon Jovi… o que quiserem. “It’s All Gonna Break”, “Ibi Dreams Of Pavement (A Better Day)” ou nem vale a pena aparecerem. (Excepto os Radiohead, que podem aparecer à mesma.)

Broken Social Scene é a concretização das promessas de You Forgot It In People. Não é um exagero, é aquilo a que soa a grandiosidade. Não é subtil, é barulhento e claro como a água. Tem 500 mil guitarras, versos badalhocos e alguma da música mais bonita que já ouvi. E chama-se Broken Social Scene porque é a representação perfeita da banda no seu auge. Sem filtros para fazer jus à roda-viva que eram os Broken Social Scene em 2005.

É o melhor álbum dos Broken Social Scene, completa dez anos em outubro e eu tenho muitas saudades deles. São motivos tão bons como qualquer outro para o ouvir novamente.