A estreia de Sam Beam em Portugal não poderia ter corrido melhor.
Quem chegasse um pouco antes das 21h30 à sala do Teatro Tivoli, em Lisboa, e olhasse para o palco, facilmente chegaria à conclusão de que faltavam alguns minutos para um grande, grande concerto. Duas guitarras, um microfone e uma mesa bem no centro do palco prometiam uma noite de homem, barba e guitarra, ou seja, uma noite de Iron & Wine à moda antiga, sem banda.
Foi preciso esperar muito pouco para perceber que as expectativas elevadas teriam resposta à altura. Sam Beam entrou no palco a falar português (o “obrigado” da praxe), a dizer que era o primeiro concerto que dava em Portugal e a… aceitar pedidos de canções. Tivemos sorte com a primeira: calhou “Upward Over The Mountain”, uma das melhores de The Creek Drank The Cradle, álbum de estreia editado em 2002. Estava dado o pontapé de saída, estávamos todos desarmados. Ia ser uma noite inesquecível. (Obrigado, Misty Fest.)
As canções de embalar que compõem grande parte do catálogo inicial de Iron & Wine demonstraram ser a pomada perfeita para o público que quase esgotou o Tivoli no domingo. A disponibilidade para aceitar pedidos de canções manteve-se ao longo de praticamente todo o concerto, o que tornou muitos dos intervalos entre canções numa espécie de leilão em que as licitações eram feitas por selvagens (com bom gosto mas selvagens, ainda assim). O ponto alto desta série foi quando do público saiu um “Jezebel” mal pronunciado e Sam Beam percebeu “Jesus”, como em “Jesus The Mexican Boy”. E lá ouvimos todos “Jesus The Mexican Boy”, um tema relativamente refundido de The Sea & The Rhythm, o EP composto por músicas que não ficaram no primeiro álbum. Um tema que ninguém pediu. E sabem que mais? Até esse soou tão bem…
E é isto. Todas as canções que Sam Beam aceitou ou tomou a iniciativa de tocar (e que muita conversa alimentaram durante as duas horas de concerto), das mais antigas às recentes, passando inclusivamente por uma inédita, ecoaram maravilhosamente num Tivoli fortemente investido na caça aos fotógrafos amadores. E assim ficou tudo ainda melhor. Sem ecrãs, sem flashes acidentais e sem distrações. Éramos nós e ele ali, tudo o resto lá fora.
A única coisa que poderia ter corrido mal, sobretudo tendo em conta a disponibilidade de Sam Beam para tocar discos pedidos, era o alinhamento. Mas digam-me vocês se “The Trapeze Swinger”, “He Lays In The Reins”, “Caught In The Briars”, “Tree By The River”, “Rabbit Will Run”, “Love Vigilantes” (uma sugestão – desta vez impecavelmente pronunciada – do mesmo tipo que nos deu a tal “Jesus The Mexican Boy”), “Jezebel” e “Boy With A Coin” não fariam um fã de Iron & Wine feliz. Fariam e fizeram, garanto-vos.
Faltaram muitas canções – faltariam sempre. Eu, por exemplo, gostava de ter ouvido “Lion’s Mane”, “Sunset Soon Forgotten”, “Such Great Heights” e “Faded From The Winter”. Podia sempre ter gritado uma delas entre músicas, reconheço. Mas a manta nunca esticaria ao ponto de agradar a todos. Além disso, se um tipo como Sam Beam nos dá a perfeição em “Naked As We Came”, quem é que se sente no direito de pedir mais o que quer que seja?
Depois de todos os “obrigados” e promessas de regresso, acabou por ainda haver tempo para um encore de uma música. Essa música foi o clássico “Flightless Bird, American Mouth”, praticamente a capella, com a voz de Sam Beam sobre nada mais do que uma ou outra nota de guitarra e o silêncio reverente do público, e foi a melhor forma de terminar um concerto praticamente perfeito. Quando Sam Beam saiu do palco pela última vez, as palmas pediam “volta” mas os corações diziam “chega”, um “chega” farto e feliz. Foi uma estreia de sonho – para ele e para nós.