Os álbuns mais vendidos do ano em Portugal

D.A.M.A.

Dos D.A.M.A. a Ana Moura, passando pelo clã Carreira e Anselmo Ralph.

Alguém olhou para a tabela dos álbuns mais vendidos em Portugal este ano?

Não há muitos sítios onde possamos consultá-la, sobretudo desde que o Top+, programa da RTP1 dedicado à contagem decrescente dos discos mais vendidos semanalmente, acabou em 2012. Creio que o Cotonete partilha a tabela dos mais vendidos divulgada pela Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) semanalmente, mas, além de mais um oudois sites internacionais que compilam informação de vários países, não sei se mais alguém o faz.

Numa altura em que a lista se afirma como o único formato de sucesso em artigos online, é curioso que cada vez menos gente olhe para as da música que mais vende como algo digno de nota. É óbvio que a internet arrasa a concorrência como ferramenta de recomendação musical, mas também não podemos esquecer a queda nas vendas nas últimas décadas – se a relevância artística já lá não estava, a relevância para o consumo foi perdendo força com o aparecimento de fontes alternativas.

O que vende vs o que se ouve

Ainda assim, a tabela dos álbuns mais vendidos da AFP continua a ser um animal interessante. Primeiro, porque torna óbvio que aquilo que se ouve por aí e aquilo que se compra por aí são conceitos distintos. Basta olhar para os álbuns mais ouvidos no Spotify em Portugal e comparar com as tabelas da AFP. Não houve, por exemplo, uma única semana de 2015 sem fado no top 20 da AFP, graças ao sucesso de nomes como Ana Moura, Mariza e António Zambujo, entre outros. No Spotify é difícil encontrar um destes nomes no top 50 de canções. Hoje, por exemplo, não há nenhum.

Em comum, há dois tipos de artistas: fenómenos de sucesso junto dos adolescentes e… Adele. Os D.A.M.A. (que, devo recordar-vos, significa “Deixa-me Aclarar-te a Mente, Amigo”) passaram praticamente o ano todo no top 10 de vendas com Uma Questão De Princípio, álbum editado em setembro de 2014, e parecem prontos para continuar por lá com Dá-me Um Segundo, editado já em outubro passado. No Spotify, por outro lado, é Justin Bieber quem domina desde novembro. Os D.A.M.A. também por lá estão – neste momento, têm uma canção no top 50… na 45ª posição. Justin Bieber, de resto, já transcende um pouco o conceito de fenómeno adolescente, pelo que não joga no mesmo campeonato dos D.A.M.A.

No que diz respeito à tabela da AFP, mais do que a força do fado – facilmente explicável pelo perfil dos consumidores que ainda compram CDs, tipicamente mais velhos, mesmo quando vivemos tempos muito bons para o fado -, interessa-me o fenómeno Carreira. A família teima em vender discos sem que muita gente pareça interessada em ouvi-los online, sobretudo se tivermos em conta que um artista como David Carreira aponta totalmente às miúdas mais novas. E isto é constante. Mas eles continuam a vender, isso é certo. Tal como os D.A.M.A., passaram o ano (os últimos anos?) nos dez primeiros lugares da tabela da AFP.

Casos curiosos

Em 2015 assistimos ainda a alguns acontecimentos interessantes, como o sucesso de Rui Massena, maestro tornado compositor em Solo, o seu primeiro álbum. Um álbum de música erudita com tanto sucesso não deveria ser facilmente explicável, mas é: na mesma altura em que lançava o álbum, Rui Massena aparecia na televisão recorrentemente por ser júri de Got Talent Portugal,  concurso de talentos da RTP1.

Anselmo Ralph foi outro dos nomes recorrentes na tabela dos discos mais vendidos e na televisão, mas o caso do artista angolano é bastante diferente do de Rui Massena: antes de ser convidado para júri do The Voice Portugal, também da RTP1, já toda a gente conseguia cantar “Não Me Toca” de trás para a frente. O facto de A Única Mulher, telenovela da TVI, ter uma canção de Anselmo Ralph como tema de abertura certamente terá ajudado.

Visitando os primeiros meses de 2015, o sucesso que Ed Sheeran teve em termos de vendas em Portugal no início do ano pode surpreender alguns, mas nada me admira mais do que o constante sucesso de bandas sonoras de franchises infantis. Este ano foi Violetta, claro. O que os pais e as mães deste país fazem para terem um bocadinho de sossego.

A definição de sucesso

O caso mais curioso da tabela de vendas da AFP, no entanto, leva-me de volta ao fado e a um nome que já referi: Ana Moura. Desfado foi editado em 2012 e está há mais de 150 semanas no top. É obra, não? Sim e não. Em outubro, o Correio da Manhã dava conta de que Desfado tinha atingido a quádrupla platina, o que significa que tinha vendido mais de 60 mil cópias (a platina ganha-se às 15 mil unidades, o ouro às 7500). Já nenhum álbum vende assim, portanto de facto é um marco. Mas nos anos 90, oh, nos anos 90… os Delfins vendiam mais do que isso. Paulo Gonzo vendia mais do que isso. Arrisco dizer que os Santos & Pecadores vendiam mais do que isso. E em muito menos tempo. Mas eram outros tempos, definitivamente. Mesmo assim, a primeira platina de Desfado chegou ao fim de duas semanas, o que é excelente.

Atualmente bastam umas centenas de cópias vendidas numa semana para ir parar ao top da AFP. Além disto, o mercado está de tal forma parado que se olharem para a tabela veem vários álbuns editados há mais de um ano: além de Ana Moura, há Mariza, D.A.M.A., Ed Sheeran e António Zambujo nos 30 primeiros.

Mas ninguém quer saber, certo? A competição tornou-se mais complexa nas últimas décadas. É cada vez mais importante que os artistas se foquem em chegar aos ouvidos das pessoas antes de pensarem em vender discos e ganhar dinheiro com concertos – ainda que tenham de pensar nisso a determinada altura por uma questão de sobrevivência. Os discos mais vendidos deixaram de ser um critério de escolha musical para a maior parte dos portugueses, o que não é propriamente uma novidade. O que parece continuar no segredo dos deuses é a fórmula para o sucesso. Não digo isto numa perspetiva de marketing: conseguir chegar ao máximo de pessoas continua a ser a estratégia a seguir. Mas numa altura em que se diz que a música pop está a ficar toda igual, o que distingue na génese um projeto de sucesso de um falhanço?