Este é o primeiro de dois artigos sobre o melhor da música em 2024.

2024 foi o meu ano da americana. Sentei-me numa cadeira de baloiço no meu alpendre com o meu banjo nas mãos e um pedaço de palha na boca e deixei-me estar bem confortável. Paradoxalmente, também me fartei de ouvir álbuns pop a que tradicionalmente não ligaria, mas com impacto moderado nesta lista. Vão buscar uma cadeira e juntem-se a mim.

As melhores canções de 2024:

10 – Gillian Welch & David Rawlings – “North Country”

Gillian Welch não é a artista mais prolífica do mundo. Portanto, quando lança um álbum — e, neste caso, um álbum com David Rawlings (são todos, basicamente, mas desta vez é oficial) —, estamos perante um evento. Woodland é lindo e contemplativo e para deixar tocar e “North Country”, ali bem no centro da experiência, um simples sonho em câmara lenta.

9 – Ana Lua Caiano – “Deixem o Morto Morrer”

Não é comum ver pelas minhas listas música portuguesa, mas há gente boa em todo o lado e Portugal não é exceção. Ana Lua Caiano foi a grande revelação nacional do ano e só ficou indiferente quem quis. E pois que eu não quis e deixei-me levar pela folktrónica (que aglutinação trapalhona) da miúda das tranças, que teve em “Deixem o Morto Morrer” o seu melhor momento.

8 – Taylor Swift – “Guilty As Sin?”

Passei mais de meio ano a tentar explicar a quem me quisesse ouvir que a melhor canção do tépido The Tortured Poets Department não eram as de que toda a gente falava (porque ela fala deste indivíduo ou porque tem aquele verso), mas sim “Guilty As Sin?”. Convenci alguém? Duvido. Mudei de opinião? Claro que não. Tenho razão? Claro que sim.

7 – Hurray For The Riff Raff – “Ogallala”

“Hiding from the cops in Ogallala, Nebraska” é um início auspicioso para uma canção com ares de road trip e carregada de inevitabilidade. Uma inevitabilidade que termina de forma explosiva com um ligeiro twist. Ora, americana que explode? Contem comigo.

6 – MJ Lenderman – “She’s Leaving You”

Isto não é de agora. MJ Lenderman anda a avisar-nos há já alguns anos que veio para ficar. E se este single não diz tudo o que é preciso sobre ele, não sei o que diz. A entrega desapegada, os cenários hiper-realistas e o humor nas letras disfarçam mal a abordagem profunda aos grandes temas abstratos da vida e, a julgar pela insistência, parece ser assim mesmo que ele quer.

5 – Father John Misty – “Screamland”

Falei dela a propósito de Mahashmashana. Apresenta todos os elementos clássicos de Father John Misty: erudição e cinismo entregues de coração na boca, melodias quentinhas, produção impecável, um refrão do cacete e… deixou-me bem agarrado. Transformou-se automaticamente na minha canção favorita dele.

4 – Bon Iver – “Speyside”

Justin Vernon voltou para a cabana na floresta e “Speyside”, a primeira canção em algum tempo editada por Bon Iver, sinaliza um regresso ao estilo inicial do projeto. Eu até nem alinho muito nessa narrativa, mas a canção deixa pouco espaço para discussão. E é excelente, como seria de esperar. Já fazia falta.

3 – Lizzy McAlpine – “Vortex”

Que malhão. Começa como baladinha, com piano e pouco mais, e acaba como baladona, cheia de coisas a acontecer — com destaque para algo próximo de uma épica sereia de um navio (que é brincadeira de sintetizador, bem sei, mas ainda assim). É linda, linda, linda… com um arco narrativo curto, mas significativo. Fecha Older, o álbum, em jeito de repetição e complemento à canção que o abre (“The Elevator”) e a única coisa que nos pede é que fiquemos de rastos depois de a ouvir. Cá para mim, vale a pena.

2 – Waxahatchee ft. MJ Lenderman – “Right Back To It”

Qual brat summer, qual quê. A minha canção do verão foi esta maravilha saída de um qualquer lago pantanoso do sul dos Estados Unidos. As vozes de Katie Crutchfield e MJ Lenderman complementam-se maravilhosamente (de resto, ele aparece muitas vezes ao longo de Tigers Blood, o álbum, mas só mereceu feature nesta) e é das coisas mais quentes e descontraídas que por aí andou este ano. E, por aqui, rodou incessantemente.

1 – Cassandra Jenkins – “Omakase”

Nos pormenores, no plano geral, na Terra ou em Vénus… “Omakase” é perfeita. Cassandra Jenkins sintetiza numa canção a elegância, o cuidado e o bom gosto que puseram Cassandra Jenkins nas bocas do mundo em 2021. O amor nos versos “My lover / My light / my destroyer / my meteorite”, o rufo da tarola, o saxofone, o… tudo. One look is all it took.