A primeira pergunta que nos surge quando pensamos em felicidade é quase sempre: que caminho devo seguir para chegar à felicidade? Ou uma variação qualquer disto, claro. Porquê? Porque a maior parte de nós quer ser feliz.
Mas… o que é a felicidade? Sabem responder-me a isto?
Decidi ir ao Priberam e, pelos vistos, nem os dicionários nos desenrascam: a única definição que não é simplesmente um sinónimo de felicidade é “concurso de circunstâncias que causam ventura”. Tendo em conta que ventura é um sinónimo de felicidade, ficamos com “concurso de circunstâncias que causam felicidade” para definir… felicidade. Acho que não vai dar, Priberam.
A forma como a pergunta é feita pede um grau de certeza incompatível com as respostas possíveis. Portanto vou deixar as respostas de lado e vou concentrar-me noutra coisa.
O que é a felicidade? Charles Spearin, fundador dos Broken Social Scene, KC Accidental e Do Make Say Think e atualmente em digressão com Feist, decidiu dedicar-se à pergunta, procurando respostas. E assim nasceu The Happiness Project, um álbum de que desisti pelo menos duas vezes antes de me deixar conquistar. Já lá vão mais de três anos desde que foi editado e ainda resisti durante uns meses valentes. Mas um dia cedi.
The Happiness Project é um álbum conceptual com uma origem sobretudo estética. A inspiração parece ser a voz enquanto elemento musical e as notas que irrefletidamente deitamos cá para fora quando falamos. Ele pegou em instrumentos e pô-los a acompanhar as vozes de vizinhos que decidiu entrevistar. Acompanhar não só no sentido tradicional (como vemos numa banda) mas de forma equivalente à daqueles palhaços que perseguem pessoas em programas manhosos de apanhados.
Mas acabou por transformar-se em algo mais do que o fruto de um exercício estético. E é aqui que entra a felicidade. Charles Spearin conta que, mesmo sem essa intenção, as conversas acabavam por se aproximar perigosamente do tema. E as respostas são… maravilhosas.
É esquisitíssimo e difícil de ouvir a primeira vez… mas esperem um pouco. Esperem pelo ambiente certo. Deixem a música respirar. E depois concentrem-se nas respostas.
“Felicidade é amor”, diz Mrs. Morris (cada pessoa entrevistada dá nome a uma música do álbum… mas Mrs. Morris tem direito a uma reprise), acompanhada de perto por um saxofone. Mrs. Morris não se fica por aí mas a simplicidade da resposta que dá é, no mínimo, inspiradora. Depois temos Anna, que fala sobre expectativas, e Vittoria, uma menina cuja dificuldade em articular uma resposta é só por si uma resposta bem convincente.
Nota-se, ao longo de The Happiness Project, uma necessidade de concretizar. Vanessa, por exemplo, fala do que sentiu quando começou a ouvir (graças a um implante coclear). Faz sentido, se pensarmos bem: é difícil dissociarmos a ideia de felicidade das coisas que nos ajudam a atingi-la. No entanto, continuamos a responder em círculos… O que é a felicidade? É o que me faz feliz.
Das sete pessoas que discutem sobre a felicidade com Charles Spearin, apenas uma é um homem. Mr. Gowrie também fala de expectativas mas acaba por responder mais através do ângulo a que recorre do que através das palavras que diz. O ângulo é a família. No caso de Mr. Gowrie, uma família pobre e numerosa.
No final, voltamos a Mrs. Morris, que nos diz as mesmas coisas que ao início (afinal, é uma reprise). Mas a esta altura já a música ganhou vida própria há muito tempo. Uma vida ora calma, ora agitada, que deve um pouco à sonoridade típica dos KC Accidental e dos Broken Social Scene mas que vai além disso – o peso dos metais e do piano é suficiente para envolver The Happiness Project num ambiente que se aproxima de um jazz mais experimental. E no fim de contas, damos por nós com aquela sensação de papo cheio que as boas experiências provocam.
Agora que penso nisso, se calhar a felicidade é isso mesmo: papo cheio.