Blackstar é desconfortável, estranho e sufocante.
Atualização (11/01, 10h13): David Bowie morreu este domingo, vítima de cancro. Este artigo foi escrito algumas horas antes de a notícia ser divulgada.
David Bowie não precisa de grandes apresentações. Na realidade, durante grande parte da última década nem precisou de lançar música nova. Regressou aos álbuns em 2013, com The Next Day, dez anos depois de Reality. The Next Day deixou muita gente entusiasmada na altura, primeiro porque já ninguém esperava grandes notícias por parte de Bowie, depois porque o álbum era bom. Mas sejamos sinceros: comparado com o recém-lançado★ (Blackstar), The Next Day não é senão um daqueles álbuns que as pessoas elogiam porque é o que se faz quando um artista como David Bowie lança um disco.
Blackstar é tão difícil. Mal começa, sabemos que estamos em apuros. A voz distorcida de David Bowie põe-nos em sentido e deixa-nos desconfortáveis – um desconforto que nos acompanha ao longo de praticamente todo o álbum. E a aparente facilidade com que Bowie cumpre o seu papel de mestre de cerimónias – se Blackstar fosse um palco, Bowie circularia segura e tranquilamente pelo mesmo como se nada fosse – torna tudo pior, como se não estivéssemos a par do que se está a passar. E não estamos. Nunca.
Quando o britânico se aproxima de fórmulas mais tradicionais, como em “Lazarus” e “I Can’t Give Everything Away”, há sempre elementos que o fazem descarrilar: um saxofone filho da puta ou a interpretação vocal de Bowie às vezes chegam.
Experimental, muitas vezes próximo de um exercício livre, Blackstar é um álbum extremamente coeso. A culpa é provavelmente da névoa que parece envolvê-lo do início ao fim, apenas trespassada ocasionalmente pela voz e pelo saxofone.
Mesmo no que de mais próximo tem de uma balada, “Dollar Days”, parece que nada em Blackstar nos é dado de bandeja. Temos de trabalhar muito para podermos usufruir do que o álbum nos dá. E isto leva-me a uma conclusão relativamente banal: David Bowie prova com este álbum que consegue algo que artistas com carreiras desta longevidade dificilmente conseguem – manter-se artisticamente relevante. Mas isto também é uma maneira de dizer que grande parte do prazer que se sente a ouvir este álbum tem a ver com o estímulo intelectual.
Letras e referências obscuras, um ambiente meio aterrador, algures entre a sensação de que estamos a entrar num culto e a ideia de que estamos prestes a morrer e até uma piscadela de quase cinco minutos a Laranja Mecânica (ou A Clockwork Orange, se preferirem), em “Girl Loves Me”… Blackstar é um osso duro de roer, mas é profundamente viciante, talvez até mais por isso mesmo. A bateria, o saxofone e a voz de David Bowie brilham aqui e ali, mas é com o ambiente sufocante que Blackstar nos vence. E no final dificilmente resistimos ao instinto masoquista de regressar ao início e passar por tudo outra vez.