A primeira vez foi uma epifania. Aquele Meet The Eels: Essential Eels – Vol. 1, 1996-2006 mudou tudo. A ideia de tudo ter começado quase por acaso torna a minha relação com a música dos Eels bastante especial. E agora, passados mais de dois anos da primeira audição, posso dizer com toda a certeza que esta é, ali ao pé dos Broken Social Scene, dos The National e dos inigualáveis Radiohead, uma das minhas bandas favoritas.
Tomorrow Morning é o fim de uma trilogia começada com as canções de desejo de Hombre Lobo, de 2009, e continuada com a velhice de End Times, editado já este ano. Mas Tomorrow Morning é também um fim com sabor a princípio.
Hombre Lobo mostrava-nos um Mark Oliver Everett predador, um homem dominado (e quase descontrolado) pela subida da sua auto-estima, pelo “acho que consigo melhor”. End Times, por outro lado, já nos deixava mais descansados: E não tinha ido a lado nenhum e continuava tão deprimido como sempre, desta vez com a velhice como pano de fundo.
Tomorrow Morning encerra a trilogia com esperança. E esta é uma conclusão fácil de atingir: basta olhar para os títulos de quase todas as canções do álbum. Tomorrow Morning tem um sorriso de orelha a orelha. Quase consigo ouvir a Nina Simone cantar “It’s a new dawn, it’s a new day, it’s a new life for me… and I’m feeling good.”
Agora… o que são aquelas três primeiras músicas? A primeira é uma introdução. Mas a segunda e a terceira também parecem ser introduções. São relativamente estranhas e muito calmas. Os arranjos de cordas e os salpicos de electrónica contribuem para uma ideia de um longo mas firme nascer do sol. Mas quem é que precisa de três introduções?
Claro que depois vem “Baby Loves Me” e a esta hora já temos de estar mais que acordados. Por um lado, respiramos de alívio com aquela pop/rock suja a que os Eels nos habituaram. Por outro, “Baby Loves Me” é certamente a primeira música de sempre a ter pombos electrónicos. A sério. E esta canção é Eels no seu nível mais básico: o mundo está contra ele… mas a baby dele ama-o e é mais esperta que os outros. Pois está claro.
Depois a coisa começa a ficar séria. O contido single “Spectacular Girl” antecede a calminha “What I Have To Offer”. E esta leva-nos por caminhos folk até à simplesmente brilhante “This Is Where It Gets Good”. É bem provável que esta seja uma das melhores canções de toda a trilogia. E parece que o título não podia ser mais apropriado. Aquela batida entra sem pedir licença e não há como escapar-lhe. E engana, a vaca. Absolutamente imprescindível.
Pausa para respirar.
Quanto ao conceito que suporta Tomorrow Morning, atinge o ponto mais alto em “Oh So Lovely”. Nenhum outro tema ilustra tão bem o que deu vida a este álbum. Em “Oh So Lovely”, a esperança ganha corpo e transforma-se numa espécie de alegria incontida bastante bem transmitida pela forma como Everett canta e pelos arranjos grandiosos. E depois há a letra: “If the grass is not greener, you know what it needs / I knew that I had to throw down some seeds” sintetiza tão bem o sentimento geral de Tomorrow Morning que me faz sentir inútil por estar a escrever este texto gigante sobre o álbum.
E a atitude positiva continua durante mais algumas canções, com destaque para os anti-blues de “Looking Up” e para o amor simples e incondicional de “I Like The Way This Is Going”. Nesta canção típica de Eels (E acompanhado da guitarra eléctrica a repetir acordes), há um momento que faz as delícias de um cínico como eu: “I like to watch TV with you / There’s really nothing that I would rather do”. A ideia de um amor que consiste, mesmo que em parte, em ver televisão é aparentemente feia. Mas a mim fazem-me falta mais músicas que incorporem assim o amor no dia-a-dia. Nem tudo é passear contigo, amar e ser feliz. Às vezes vê-se televisão. E isso é bom.
“Mystery Of Life” encerra Tomorrow Morning mas deixa-o em aberto, como seria de esperar da manhã do dia seguinte. Fica a esperança e o pensamento positivo. Fica o “Yes, we can” e a ideia de que a vida tem a sua piada. E isto é uma coisa que, mesmo nos momentos mais tristes e deprimentes da música dos Eels, nunca desaparece realmente. Em Tomorrow Morning, não só não desaparece como, pela primeira vez em década e meia de música, não dá espaço a mais nada. Musicalmente, há aqui muita coisa nova: os arranjos de cordas a fazerem lembrar a digressão Eels with Strings; as brincadeiras electrónicas. O resultado, esse, é o do costume: um álbum de momentos excelentes.
Este é um feel good album. Tenham um bom dia.