De tempos a tempos, surge por aí música que faz a diferença, que altera qualquer coisa. E às vezes parece que são os pormenores mais subtis que carregam a música às costas até outro patamar. Para mim, Bon Iver é isso.
O que Justin Vernon – o nome por trás do projecto – fez com For Emma, Forever Ago foi isto. Um álbum meio folk, meio baladeiro, que à partida não deixa encontrar nada de radicalmente novo… mas que conseguiu atingir um nível de popularidade muito pouco expectável para o que prometia. Além do falsete peculiar de Justin Vernon, o que podemos nós encontrar na música de Bon Iver que se assuma como um corte ou uma evolução visível relativamente ao que tem sido feito até hoje? Acho sinceramente que ainda não descobri.
Mas “Skinny Love” não é uma música qualquer. Nem “Blindsided”. Nem “Flume”. Nem a fantástica “Re: Stacks” (de que já falei aqui há algum tempo). E não sei o que as torna tecnicamente diferentes de tudo o resto mas sei que me sinto diferente quando as ouço. Sei que para vocês não é suficiente mas para mim chega. O ambiente quente e acolhedor de For Emma, Forever Ago faz-me desconfiar: afinal que tipo de magia negra é esta que torna a tristeza num lugar tão confortável e bonito? Enfim, não sei… mas For Emma, Forever Ago é um álbum muito especial.
Creio que não fui a única pessoa do mundo a sentir isto (ou, pelo menos, algo semelhante). É que a expectativa para o novo álbum de Bon Iver era enorme. Quando o álbum apareceu na Web com mais de um mês de antecedência, a expectativa transformou-se em algo mais barulhento.
Bon Iver, Bon Iver é um álbum perfeito. Justin Vernon não o gravou sozinho numa barraca no meio do nada, não estava doente e não estava mal de amores. Lá se vai o mito. E Bon Iver também já não se lê “homem e guitarra”. Com músicos e instrumentos até ao pescoço, Bon Iver, Bon Iver é um dos discos mais belos e completos que já ouvi. Vernon abandonou a crueza da barraca no meio do Wisconsin e dá-nos a conhecer um lado mais grandioso, mais digno de uma grande Opera House de uma qualquer capital do mundo.
As letras impressionistas são tão difíceis de interpretar que é quase impossível impedir que a imaginação nos leve para bem longe daqui. O próprio Justin Vernon admite que se esforçou por isso, focando-se especialmente na sonoridade das palavras. O resultado é fantástico: ao longo do álbum, somos tomados por emoções cuja origem desconhecemos e que nem por isso deixam de fazer sentido. A arte é uma coisa maravilhosa.
Começar um álbum destes com “Perth” parece, agora que já o ouvi vezes e vezes sem conta, adequado. Esta não-canção lança o álbum para a perfeição. Aquela bateria e aqueles riffs sujos fazem a música. A estrutura é pouco convencional – há para lá uma coisa que poderíamos chamar de refrão mas acho que não se aplica realmente – e a forma como os diferentes instrumentos vão surgindo no pacote faz de “Perth” um hino ao bom gosto e uma pista muito óbvia para o que se pode esperar do resto do álbum. Nesse sentido, “Minnesota, WI” é apenas a continuidade natural do tema de abertura. Mais uma vez, a entrada da bateria faz toda a diferença.
Vernon poderia ter cedido à tentação de transformar Bon Iver, Bon Iver num megalómano exercício estético mas não o fez. O mais perto que esteve disso – e se quisermos esforçar-nos muito por encontrar pontos fracos no álbum – foi “Hinnom, TX”, que anda ali pela fronteira do formato canção com o interlúdio. Ainda assim, não chega para me fazer dizer mal. Até porque está tão bem rodeada – “Michicant” de um lado e a belíssima “Wash.” do outro – que, em contexto, é daquelas coisas que faz sentido. Alguma vez a escolheria para single? Mil vezes não. Mas acho que nem o próprio Justin Vernon pensaria em tal disparate.
E o que posso eu dizer de “Towers”? É provavelmente o tema mais convencional do álbum e isto não é, nem de perto nem de longe, uma coisa má. A melodia entra na cabeça à primeira e é uma chatice para a fazer sair. Mas ninguém quer isso, de qualquer forma. Quero aqueles acordes e aquela voz bem perto dos meus ouvidos. Nas colunas ou no cérebro, tanto me faz.
Mas vamos aos grandes momentos. Confesso que, por esperar outra coisa, a primeira vez que ouvi “Calgary” fiquei um pouco apreensivo com os sintetizadores do início. Escusado será dizer que a meio já me tinha passado o medo e estava a adorar a canção. É que o primeiro single de Bon Iver, Bon Iver é um portento. A canção cresce a cada segundo, à medida que vai acumulando instrumentos na faixa. E aquela parte do meio em que as guitarras dão cabo de tudo… Enfim.
Apetecia-me deixar esta para o fim mas não posso fazê-lo, não consigo. “Holocene” é das músicas mais bonitas que alguma vez me chegaram aos ouvidos. (Sinto-me na obrigação de fazer um disclaimer: eu sei que é provável que as circunstâncias mudem e que a música acabe por cair naquele grupo de canções que só ouço de vez em quando mas, ao dia de hoje, é assim que me sinto. Deal with it.) A forma delicada como a canção se move, como nos vai afogando num mar de sons, a surpresa que é vê-la a atingir o pico, ali cheia de metais, guitarras e baterias (sim, no plural), quando ainda nem há pouco estávamos a saborear um singelo dedilhar de guitarra… São este tipo de coisas que me lixam a vida. São este tipo de coisas que fazem valer a pena procurar preciosidades no meio do lodo musical. “Holocene” é uma obra-prima. Ora vejam lá este fantástico vídeo e digam que não tenho razão.
(Para quem pensa que eu estou maluco – ou está a ler isto via RSS -, aqui fica o link para o vídeo.)
Confio que viram o vídeo. Se não viram, vejam. Se não valesse a pena, eu não insistia.
Antes de terminar este longo elogio a Bon Iver, Bon Iver, não podia deixar de referir “Beth/Rest”. A minha primeira reacção a esta música foi “mas por que raio termina o álbum com uma balada do Peter Cetera?” É uma música que, para quem, como eu, torce o nariz a baladas dos anos 80, causa alguns problemas. É que não é suposto eu gostar disto. Nada mesmo. No entanto, não sei se por ser Bon Iver ou por estar, neste preciso momento no tempo, disponível para isto, gosto da música. Aliás, adoro-a. É uma balada digna do Top Gun e, segundo li numa entrevista que Justin Vernon deu ao Pitchfork, é tudo menos irónica. Confesso que fiquei aliviado. É que é um dos grandes momentos do álbum e a forma perfeita de encerrar Bon Iver, Bon Iver.
Este álbum é perfeito. Nos meus tempos de crítico amador, Bon Iver, Bon Iver teria sido um forte candidato a uma nota 10 em 10. E eu teria ficado angustiado com isso e com a hipótese de não estar a avaliar as coisas com a distância necessária para definir um 10. Hoje não dou notas, o que muito me descansa. Ainda assim, não consigo deixar de vos dizer que este álbum entra directamente para um grupo muito, muito restrito: o das obras-primas.