Entrevista a Alex Gamela

Gosto de entrevistas. Não conseguirão ler muitas por aqui mas é mais por falta de iniciativa minha do que por outro motivo qualquer. Desta feita, a vítima foi o Alex Gamela, que de forma muito simpática aceitou o convite para responder a cinco perguntas. Para quem não o conhece, o Alexandre é um jornalista freelancer português muito conhecido na Web devido às suas reflexões sobre os media e sobre o papel da Internet e a sua relação com o jornalismo. Quanto à música, toca guitarra (razoavelmente, segundo o próprio… mas pronto, vale o que vale), colaborou com a Rocksound, esteve em várias bandas que nunca chegaram a ser conhecidas e ainda ajudou a organizar alguns concertos. De qualquer forma, e se quiserem conhecer melhor o contributo dele para a reflexão sobre os media, sigam-no no Twitter e visitem o blog dele. Para perceberem um bocadinho mais da forma como ele vê o mundo da música – em que se destaca uma atitude rock’n’roll e um aparente, mas natural, ódio aos Coldplay -, então venham daí.

Lembras-te da altura em que os Arctic Monkeys apareceram? Falava-se muito numa espécie de nova ordem mundial da divulgação de música, da morte das editoras, etc. A coisa parece ter acalmado, com uma série de one hit wonders e pouco mais. Na tua opinião, em que pé estamos agora?

Os Arctic Monkeys para mim não foram um marco muito grande. Se formos a ver bem, putos que vêm do nada e que vão revolucionar a cena musical aparecem todos os anos. Na altura estava mais interessado em ouvir o Yellow House dos Grizzly Bear, que me soaram mais revolucionários e interessantes – até fiz um podcast sobre eles -, mas todos os meus amigos que estão sempre na crista da onda das novidades musicais não lhes ligaram nenhuma e só falavam dos Arctic Monkeys, pelo menos até descobrirem o Veckatimest três anos mais tarde. Isto só veio provar uma coisa: a música e a importância de algumas bandas tem muito a ver com o peer pressure, opinion makers e zeitgeist, traduzindo: gajos com pinta que influenciam uma série de gente que vê mais música do que ouve e que se revêem na forma como a banda X fez a bilionésima música de dor de corno ou de revolta contra a sociedade em geral e o mundo em particular, ou na maneira de vestir um casaco de cabedal.

O que mudou foi o meio de propagação da música. Esse pessoal deixou de estar à espera do NME para lhes dizer qual era o next big thing como faziam desde os anos 90 e souberam pela net, mas muito provavelmente pelo site do NME. Uns tansos portanto, porque a música para eles é uma forma de afirmação de ser fixolas, ou rebelde, ou muito à frente. Só que souberam muito mais rápido, em vez do período de dois anos que as modas em Londres demoravam a chegar aqui à tuga (ainda hoje estou arrependido de não ter investido numa caixa com 500 pares de All Stars em 2001, que estava ao desbarato no Continente). E como muitas bandas não se enquadravam dentro dos planos megacomerciais de muitas editoras, mesmo das mais independentes, houve algumas alminhas iluminadas que decidiram eliminar aquilo que retirava o poder às bandas, que eram  os intermediários: agentes, editoras, lojas.

Agora estamos uns passos à frente e, apesar de sofrer muita fragmentação, a cena musical nunca teve tanta vitalidade e variedade como hoje, porque qualquer banda, qualquer gajo com um laptop e uma guitarra pode pôr um disco na rua, ou melhor, uns MP3 na net e ter público para isso. Nem que seja de um, mas um gajo faz música porque precisa de o fazer  ou para engatar gajas.

Quem quis continuar no modelo antigo, danou-se. E ainda bem. Se virmos quem defende o modelo antigo, é gente como os Metallica e os (urgh) Coldplay (odeio estes gajos, são a Margarida Rebelo Pinto do pop rock internacional).

De certa forma, as estruturas tradicionais da música e do jornalismo parecem ter entrado de mãos dadas numa crise sem precedentes numa altura em que na Web começaram a aparecer alternativas. Achas que ainda existe espaço para uma presença à antiga nestes mercados?

Não sei porque é que se deve ter uma presença à antiga, a não ser que seja tão à antiga que seja igual à situação precedente a eles, ou seja, tocar para ganhar dinheiro. Vamos juntar as estruturas de negócio da música e do jornalismo no mesmo saco e veremos que ambos têm problemas muito semelhantes: têm uma necessidade de controlo exagerada, assumem-se como garantes da qualidade, mas no fundo (e isto via-se muito no jornalismo musical em Portugal) viviam da incompetência e da felação a amigos e cliques de bandas em críticas escritas por pessoas que não distinguiam um baixo dum xilofone. Ok, estou a exagerar, mas a verdade é que o jornalismo musical raramente existia como jornalismo, sendo mais uma extensão dos departamentos de marketing das editoras. Vejam as capas de revistas musicais dos últimos 10 anos e vejam quantas bandas diferentes fazem capa. Se forem mais de 30 bandas diferentes em revistas mensais confesso que fico surpreendido.

Como as bandas não tinham esse apoio, decidiram-se lançar por conta própria, primeiro no MySpace, depois noutras plataformas, como o YouTube (OK Go, anyone?), e mudaram as regras do jogo. Por isso, pessoalmente, se voltasse a tocar com uma banda, acho que essas coisas de procurar editora e manager e o diabo a sete como já fiz, eram a evitar. Eu estaria a vender o meu produto, que eu fabrico, em que eu controlo a qualidade e fluxo de produção, e estaria exposto para o mundo inteiro. Depois faria dinheiro de várias formas, mas não contava ser uma mega rock star – toda a gente sabe que isso já morreu e tens que ter uma tromba torta e ameaçar mostrar a peitaça com letras idiotas que não fazem sentido para ser uma estrela do mundo da música. O capital hoje em dia é o respeito, e não a pinta, pelo menos para músicos a sério, o que justifica a longevidade de alguns músicos que estariam esquecidos se continuassem no modelo antigo, e a perpetuação de outros, já desaparecidos, mas que não são vendáveis, logo o espólio musical não seria reeditado, mas que são redescobertos hoje em dia por gerações mais novas.

Poderão os novos meios (os recentes e os que ainda estão por vir) acabar por salvar a música enquanto negócio?

E queremos? Eu acredito que agora é mais fácil haver mais gente a fazer dinheiro com a sua música, a ter mais públicos, a ter mais hipóteses de tocar e de mostrar o que faz. A música é uma forma de expressão artística também, mas no entanto sempre se deu mais destaque ao seu lado comercial. Isso começa com os músicos contratados pelas cortes e com os espectáculos que eram frequentados pelas elites, embora a partir do século XIX com Strauss a coisa descambasse para um fenómeno Rock’n’Roll, pois a sua música tinha um grande apelo popular. A música “clássica” ainda hoje serve como desculpa para certos grupos da sociedade se mostrarem da mesma forma que os putos vão a festivais: nem é pela música, é para ir e ver e ser visto, com mais drogas e sexo à mistura se o festival correr bem. Esses foram os primeiros promotores da música em grande, as cortes: produto exclusivo para um público específico. Depois, com a Revolução Industrial, o desenvolvimento tecnológico e particularmente a capacidade de reproduzir tecnicamente a música através de mecanismos que rapidamente se disseminaram por várias franjas da sociedade vieram os outros managers, os que queriam ganhar dinheiro com os discos, já que era uma forma de ter a banda a tocar ininterruptamente em todo o lado, e como eram eles que arcavam com as despesas de gravação e distribuição, ficavam com a massa toda. Wo-hoo! Os mais atentos seguiam o espírito da sua época e as evoluções sociais e promoviam os artistas que mais reflectiam o interesse do público em geral, o que ao ver os artistas que as editoras nos andam a tentar enfiar pela goela abaixo retira um bocado a minha fé na raça humana. O que acabou foi isso mesmo, o “público em geral”, e agora temos milhares de públicos e o mesmo indivíduo isolado pode ter na sua playlist desde metal a sons das baleias por cima de beats electrónicos ou discos de drum’n’bass entremeados por discos de Sonny Rollins, duas músicas da Beyoncé e Tupac Shakur. Não há tribos definidas como há 10 anos atrás, tirando algumas excepções, mas mesmo essas não estão limitadas musicalmente a um género ( ou a uma banda; ainda me lembro dos metaleiros que só gostavam de Metallica).

Lembro-me de um artigo numa revista (a Produção Musical, se não em engano) em que o António Sérgio analisava a quantidade de dinheiro que uma banda com um sucesso fazia em dois anos de vendas e de promoção como nome de abertura para uma banda cabeça de cartaz numa tour americana: era menos do que se tivessem ficado a trabalhar num supermercado lá da terra. Mas não tinham essa experiência fantástica nem três ou quatro overdoses no currículo.

Se um negócio depende de clientes, nunca houve tantos como agora para tantos produtos tão diferentes. Numa era onde a escassez não existe, sobressai o que apela mais e que tem mais qualidade, mas é preciso lembrar também que existem mais pessoas com muito mau gosto. Mas pronto, é bom que haja gente que goste de Coldplay, assim já sei que é gente a evitar. As fãs são fáceis, basta só dizer que são mais bonitas que a Gwyneth, e tunga. Ou fazer uma cara de enjoado e cantar-lhes o “Fix You” em serenata.

Sei que, na prática, sabes tanto quanto qualquer um de nós mas talvez o exercício seja interessante: o que nos reserva o futuro na música?

Acima de tudo mais e melhor música, muita música antiga que antes não estava ao nosso dispor, e um cruzamento ainda mais rápido de géneros, feita por gente de que antes nunca se ouviria falar. E muita música de merda: quando acho que não se consegue fazer pior, lá aparece alguém e surpreende-me.

E o rock, está morto ou quê?

O Rock é uma atitude: pode ser feito com guitarras e amplificadores Marshall, computadores, ferrinhos ou gaitas de foles, mas acima de tudo é uma atitude, que se espalhou por outros géneros. Para mim só há dois géneros de música: boa e má, e não estou a falar de qualidade, há muita má música que me diverte e dá-me gozo e muita boa música que me dá uma seca do catano. A boa é aquela que te faz mexer, nem que seja num plano metafísico. O Rock
está vivo e não é no lenço da cabeça do Axl Rose. Podemos ter jazz e ser rock, podemos ter trance e ser rock. Porra, há rock que não é Rock. Já me posso calar? Vou ouvir Queens of the Stone Age agora.