Cruzei-me com a música de Cat Power pela primeira vez em 2006, numa altura em que andava num estado constante de sede de música nova. Sim, para mim, Cat Power era música nova em 2006. Álbuns gigantes como Moon Pix, de 1998, e You Are Free, de 2003, nunca tinham acontecido. A primeira coisa que vi dela foi um álbum cuja capa tinha o rosa choque e o dourado como cores principais: The Greatest. Fiquei rendido à sonoridade blues que, viria a descobrir mais tarde, era coisa recente. Depois descobri “Metal heart”, “Good woman” e o resto. E foi assim que vim parar aqui.
Passaram mais de seis anos (e um álbum de covers chamado Jukebox) desde The Greatest. Não vou pôr-me aqui a falar muito da vida pessoal de Chan Marshall mas parece que houve mudanças radicais durante este tempo, de entre as quais se destaca o facto de ter moderado bastante o consumo de álcool. Vê-se também pela capa do álbum e pelas fotos de divulgação que ela cortou o cabelo, o que é uma pena… mas pronto. Vamos à música?
Sun é o som de Chan Marshall a cavar um túnel daqui para fora. As letras deprimentes não desapareceram na totalidade. O que desapareceu foi aquela sensação constante de sufoco e dormência bêbedos que ouvíamos em “American flag” ou “I don’t blame you”. Em Sun, há todo um novo mundo por explorar e Chan Marshall não tem tempo a perder.
A fantástica sequência inicial – “Cherokee”, “Sun”, “Ruin”, “3, 6, 9″ – não nos engana. Cat Power mantém aquele som profundamente norte-americano, cheio de raízes e de terra, mas eleva-se como uma cidade que começa finalmente a ganhar altura. Sun dá-nos eletrónica, batidas pop e canções que poderiam ter sido produzidos por tipos como James Murphy ou Danger Mouse. Mas nos créditos vemos que, no que diz respeito à produção, Cat Power manteve a tradição e tratou disso sozinha.
Neste novo caminho, até os momentos esquisitos são… diferentes. Falo de “Always on my own” e “Human being”. Parece que estamos num Velho Oeste futurista, uma coisa seca e poeirenta meio pós-apocalíptica.
E depois há as melodias, filhas de uma pop tão familiar que quase julgo roçar o plágio (mas por mais que tente não consigo encontrar as versões originais). “Manhattan” dá-nos música que tanto parece saída dos anos 70 (culpo os sintetizadores!) como a coisa mais fresca deste verão. O Sol e tudo o resto. E assim começa o fim do álbum. Um fim que nos obriga a voltar ao início só porque temos de ouvir isto tudo outra vez.. e outra vez. Mas já lá vamos.
É que ainda há “Silent machine”, uma canção tão viciante que já desisti. Primeiro, a guitarra esfrega-nos um riff na cara. Depois, lá mais para o final, a mesma guitarra deixa-se acompanhar dos “ah-ah-ah” de Chan Marshall… Jesus. E a voz grave distorcida por sei lá que efeitos e a bateria mandona… enfim.
A primeira vez que ouvi Sun, pensei que ia descansar a seguir a “Silent machine”. Mas logo a seguir entra a gigante “Nothin’ but time” e eu morro de cada vez que a ouço. A culpa é minha, que não sabia que Iggy Pop ia aparecer a meio da música. Além disso, a letra é divinal – uma mensagem positiva de Cat Power (e Iggy Pop), uma fatia de motivação. “It’s up to you, you know / It’s only time / It ain’t got nothin’ on you / It’s nothin’ but time / It ain’t got nothin’ on you”, diz ela a determinada altura. Uma espécie de carta de amor ao ser humano. Ou um manifesto. A coisa mais luminosa que Sun nos dá. Um proverbial raio de luz.
Antes de acabar, Sun já começou a acabar. Quase 11 minutos depois de começar “Nothin’ but time”, temos o tema que encerra o álbum. Um tema que faz cara feia (achavam mesmo que Cat Power ia deixar-nos com uma mensagem positiva?) e nos dá tudo aquilo a que temos direito: “na-na-na” hipnóticos, guitarra distorcida/destrutiva e melodia monocórdica, tudo num alegre “vai-te foder” sonoro chamado “Peace and love”.
Em tempos de crise, valha-nos santa Cat Power, que acordou para a vida aos 40. Digo isto com todo o amor do mundo por ela e pela música que faz, seja a paradigmática “In this hole” ou a já desperta “Ruin”. Chan Marshall abriu os olhos e viu que há mundo além do que tem na cabeça. O melhor de tudo é que conseguiu dar um salto gigante sem que sentíssemos sequer um sobressalto.
A Cat Power de Sun é outra, ninguém tem dúvidas disso. E depois deste álbum dificilmente voltará ao que foi. Vamos ter saudades? Sim, imensas. Mas será que nos importamos assim tanto? Depois deste renascimento, desconfio que não.