Porque é que as músicas deprimentes nos fazem felizes?

Life-Aquatic

Já alguma vez se sentiram genuinamente felizes com músicas deprimentes? Se sim, juntem-se ao grupo.

Enquanto fã, nunca percebi muito bem o estigma associado à música deprimente. Mas pronto, a minha banda favorita chama-se Radiohead– que legitimidade tenho eu para falar sobre o assunto?

Com ou sem legitimidade, há duas ideias muito interessantes sobre música que gostava de explorar.

Uma delas tem a ver com a ideia de que a música em tons menores (ré menor, mi menor, etc. – vocês percebem) transmite tristeza. A terceira menor é normalmente o grande alvo desta teoria que coloca na tonalidade o ónus da depressão. Há até um estudo que refere que é esta a nota utilizada no discurso oral para transmitir tristeza e que a música apenas espelha isto.

Bem, vou ignorar a ciência e dizer que, no caso da música popular, pelo menos, me parece difícil estabelecer esta relação porque é virtualmente impossível eliminar os restantes fatores. O ritmo, o tempo, a letra, a intenção dos autores e todo o contexto em que ouvimos uma canção não podem ser postos de lado para nos focarmos só no tom.

Há um exemplo clássico (utilizado num belo artigo da The Atlantic que recomendo): o de “Eleanor Rigby”. Triste como o caraças, certo? Mas será pelos terrenos menores em que se mexe ou porque… era suposto ser triste? A mim parece-me óbvio.

Mudem-lhe o ritmo (rumba!), acelerem-na (rumba mesmo rápida!), mudem-lhe a letra (“All the rumba people!) – só não mexam nas notas. Acham mesmo que vai continuar a ser a tristeza que é?

Repliquem o exercício noutras canções e a conclusão será semelhante. Façam o exercício inverso, se quiserem. Canções em tons maiores com letras deprimentes e afins. Funciona sempre.

Isto leva-me à segunda ideia que gostava de explorar. A de que a música deprimente deprime.

A esta altura já perceberam – nem que seja pelo título – que não me revejo nada nesta ideia. E desta vez até tenho a ciência do meu lado! Um estudo publicado há pouco menos de um ano no Frontiers por quatro investigadores japoneses conclui que, na verdade, a música triste contribui para gerar emoções positivas no ouvinte.

É a diferença entre a perceção e o sentimento. Um tipo ouve o Colin Hay a cantar “I Just Don’t Think I’ll Get Over You”, por exemplo, e percebe que a música é a modos que deprimente, como é óbvio. Mas isso não quer dizer que se sinta assim. Aliás, na maioria dos casos, acaba por se gerar um certo sentimento positivo exatamente por não ficarmos tão mal como as outras pessoas ficam ou deviam ficar ao ouvirem aquela canção. Que perverso.

Há ainda a ideia de que a tristeza na arte é algo positivo – como quando aquele artista só faz boa música quando está deprimido. Isto é passível de gerar no ouvinte sentimentos positivos – sobretudo de origem cognitiva.

Mas o que interessa realmente é que a tristeza induzida pela música e a tristeza motivada por acontecimentos reais são coisas diferentes. A tristeza induzida pela música é capaz de nos provocar sentimentos positivos – e este estudo demonstra que esta reação é a mais comum. Fá-lo de forma indireta – ou seja, o estímulo e a reação não são as coisas mais ligadas do mundo – mas fá-lo, ainda assim.

Este artigo foi publicado originalmente no Strobe.