É uma das canções que mais ouvi nos últimos seis anos. A minha favorita dos últimos seis anos. A que mais me marcou nos últimos seis anos.
Parece certamente um exagero quando alguém diz “esta canção vai mudar a tua vida”. Na maior parte das vezes, não passa disso mesmo. Mas arrisco dizer que isto é diferente.
Vou armar-me em comentador de futebol e dizer que não tenho um intensómetro, que não consigo medir a intensidade da mudança (não consigo, é certo)… mas também não consigo imaginar-me sem esta música. Sem a companhia, sem o refrão praticamente ininteligível e a melodia inesquecível, sem as frustrantes horas de guitarra na mão a tentar combater uma aparente incapacidade crónica de fazer sons bonitos.
Sem “Re: Stacks”, a minha vida seria diferente, mesmo que só um bocadinho de nada.
É provável que me desse com as mesmas pessoas, que trabalhasse nos mesmos sítios e que continuasse a escrever por aqui. Mas gosto tanto da canção que não consigo sequer processar a possibilidade de não a conhecer. Nunca teria pensado, nunca teria escrito sobre “Re: Stacks”, nunca teria saído chateado de um concerto em Paris nem felicíssimo do Coliseu de Lisboa e nunca teria ouvido a canção centenas de vezes – conseguem imaginar? Eu não… mas compreendo que sou suspeito.
“Re: Stacks” foi amor à primeira vista. Não me lembro distintamente da primeira vez que me chegou aos ouvidos mas sei que não foi por acaso. Primeiro foram os The National (entraram nos palcos da Aula Magna e do Alive em 2008 ao som de “Flume”). Depois foi um amigo meu que veio recomendar-me “Skinny Love”. Depois disso, acabei a ouvir For Emma, Forever Ago. Agora já todos o sabemos, claro, mas o álbum é maravilhoso… e termina no seu ponto mais alto: “Re: Stacks”.
A canção incorpora perfeitamente o espírito do álbum. É simples, é toda ela inverno e é tão acolhedora como o colo da mãe.
Justin Vernon (que na altura para mim e para muita gente era exatamente o mesmo que dizer Bon Iver) gravou grande parte do primeiro álbum numa cabana de madeira do seu pai no meio do nada algures no estado norte-americano do Wisconsin enquanto recuperava as forças depois de ter terminado uma relação amorosa e de ter tido mononucleose. Ele costuma destacar a doença como motivo principal para acabar a gravar o álbum na cabana mas a história do coração partido soa muito melhor.
Pois bem, se “Re: Stacks” tivesse testa, seria lá que estaria escrita a palavra “catarse”. Porque, tanto quanto é possível interpretar numa letra a espaços difícil de compreender, parece ser disso que trata a canção. É sobre bagagem e memória mas também é sobre lidar com a mudança. É por isso que “today is Qumran”, o sítio onde foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto. E é por isso que “everything that happens is from now on”.
A catarse termina (começa?) com os meus versos favoritos de todo o álbum:
This is not the sound of a new man or crispy realization
It’s the sound of the unlocking and the lift away
Your love will be
Safe with me
É uma mudança realista, razoável.
Não se trata de uma machadada que separa o futuro do passado mas de um poético “unlocking and the lift away”. Honestamente, é como sea canção fosse feita de seda.
E aqueles dois versos finais de partir o coração mas, ainda assim, tão confortáveis e familiares… Não sei, faltam-me as palavras. Creio que não vale a pena fugir ao extremismo: “Re: Stacks” é perfeita.
Deixo-vos com a canção, que a esta altura já fala bem melhor do que eu. Em estúdio, como podem ouvir em For Emma, Forever Ago, ou ao vivo, como poderão ter ouvido nos Coliseus e no Campo Pequeno há dois anos. Ambas as versões são maravilhosas… mas estou certo de que já sabem disso.