Um sinal de vitalidade para a indústria discográfica ou o canto do cisne?
Adele acaba de lançar 25, o seu terceiro álbum de originais. Não é propriamente uma surpresa, mas está a ser um êxito inequívoco e os números falam por si.
“Hello”, a canção que a britânica escolheu para apresentar o álbum há pouco menos de um mês, chegou e deu uma boa ideia do que estava para vir: vendeu 1,12 milhões de downloads na primeira semana, quase duplicando o recorde anterior de Flo Rida, e originou 61,6 milhões de streams, ficando atrás apenas do infame vídeo original de “Harlem Shake”. Podem associar o sucesso do videoclipe ao facto de ela utilizar um flip phone para efeitos dramáticos, mas sejam honestos: o grande mérito é mesmo do raio da música.
Ainda estamos na semana de lançamento de 25 e os recordes já começaram a cair.
Milhões vezes 25
Contando apenas com lançamentos desde 1991 (antes não havia uma monitorização metódica das vendas como é feita desde então pela Nielsen), 25 já é o álbum que mais cópias vendeu nos Estados Unidos numa semana, com mais de 2,8 milhões (números de terça-feira). Superou No Strings Attached, dos *NSYNC, editado em março de 2000, que tinha conseguido 2,416 milhões. Até esta semana, o álbum da antiga banda de Justin Timberlake era o único que tinha ultrapassado a barreira dos 2 milhões de cópias vendidas numa semana. Adele arrisca-se a ser a primeira – e muito provavelmente a única – a chegar aos 3 milhões. No entanto, as previsões apontam atualmente para 2,9 milhões. (Atualização: 25 vendeu 3,38 milhões de cópias na primeira semana.)
Para terem uma ideia, o álbum que mais unidades tinha vendido numa semana em 2015 nos Estados Unidos até agora tinha sido Purpose, de Justin Bieber, com 522 mil. Em 2014, 1989, o gigante álbum da mediática Taylor Swift, conseguiu a melhor semana do ano com 1,287 milhões de cópias.
O outro recorde significativo que Adele bateu com 25 foi o da venda de downloads de um álbum numa semana. Born This Way, de Lady Gaga, tinha vendido 662 mil. 25 vendeu 900 mil no iTunes… no primeiro dia.
No Reino Unido, a jogar em casa, o mais provável é que Adele também bata um recorde equivalente. Be Here Now, dos Oasis, detém o título desde 1997 com 696 mil cópias. 25 vendeu 500 mil em três dias…
E o streaming?
Resumindo, 25 é um sucesso. E é um sucesso que não precisou de estar disponível nos serviços de streaming para o ser. “Hello” está disponível no Spotify, por exemplo, mas não vão encontrar mais nenhum tema do álbum por lá. Na realidade, há um serviço em que é possível ouvir todas as faixas em streaming: o Pandora (não disponível em Portugal). E mesmo assim, tendo em conta que é um serviço de rádio, a única hipótese é esperar que as canções vos cheguem aos ouvidos o mais rapidamente possível, já que o utilizador não controla os temas específicos que ouve.
O facto de Adele e a XL, a sua editora, terem optado por não lançar 25 nos serviços de streaming ao mesmo tempo que este foi colocado à venda parece ter tido bons resultados. É óbvio, no entanto, que números impressionantes como os deste álbum não se conseguem simplesmente por ficar de fora dos serviços de streaming. Sem querer entrar numa de “eu já esperava isto”, arrisco dizer que o objetivo, além de obter algumas receitas adicionais, era sobretudo mediático.
Adele é uma artista com um público transversal e não há muita gente por aí com uma audiência tão abrangente. Já conheci crianças e sexagenários que a adoram. Conseguem lembrar-se de muitos casos deste género? Não posso dizer que consiga explicar facilmente o fenómeno – não chega dizer que a música é boa pop, embora isso também ajude -, mas ele existe.
Como é que, numa altura em que cada vez mais pessoas recorrem ao telemóvel para o consumo de música, se bate um recorde destes? Parece anacrónico, sobretudo se tivermos em conta que grande parte dos novos portáteis já nem trazem leitores de CD (sendo que tablets e smartphones nem entram para essas contas). Mas se tivermos em conta a referida abrangência da audiência, podemos olhar para Adele como uma mistura (muito mais) bem-sucedida de artistas que apelam a públicos mais velhos, como Diana Krall, por exemplo, e projetos de música infantil destinados a crianças pequenas (e consequentemente aos seus pais), dois grupos que ainda consomem música em CD. E é preciso não esquecer a maioria silenciosa que não tem smartphones, que não adere às tecnologias mais recentes e que nunca ouviu falar do Spotify.
O importante é que falem
A aparente estratégia de Adele faz sentido, portanto. Se o seu sucesso não depende tanto de chegar aos ouvidos de um determinado público, pode capitalizar nas vendas que o resto das pessoas lhe garante, no chamado FOMO (fear of missing out) dos que querem ter o álbum no Spotify mas não o encontram e já não estão habituados a recorrer aos sites de partilha de ficheiros alternativos e, claro, no ruído que a decisão está a gerar nos meios de comunicação.
Os mais otimistas, como David Emery, antigo diretor de marketing do Beggars Group, que detém a XL, vê no enorme sucesso de 25 um caminho interessante:
“Na altura em que escrevo, parece que vai tornar-se no lançamento com vendas mais rápidas de sempre, o que me leva à conclusão de que talvez a indústria da música não esteja lixada, mas tenhamos simplesmente andado a tentar vender as coisas erradas às pessoas.”
Parece-me uma visão um tanto ou quanto ingénua, mas gosto de ver ingenuidade em pessoas da indústria. Sempre ajuda a mitigar o cinismo dominante. Bob Lefsetz, uma das vozes mais opinadoras da indústria, dizia há uns anos que Adele nunca seria um sucesso nos Estados Unidos por ser gorda e isso não bater certo com o que os norte-americanos querem ver. Agora queixa-se por ela, do alto do seu pedestal, deixar 25 de fora dos serviços de streaming. Não tanto por ele, claro, mas pelo mau exemplo que está a dar a artistas de menor dimensão, que de facto precisam do Spotify, do YouTube e do Apple Music. Além disso, acusa-a de ser gananciosa:
“Querem ser mais bem pagos pelas editoras? Porque deveriam elas sentar-se à mesa e ser justas? São gananciosos, tal como vocês! Quando o maior nome da indústria vê o mundo apenas pelos seus olhos, porque esperam vocês que qualquer outra pessoa aja de forma diferente?”
Não acho que a decisão de deixar o streaming de fora da janela de lançamento tenha sido por dinheiro, pelo menos não no curto prazo. Podemos especular sobre se há um interesse da indústria em implementar janelas de lançamento semelhantes às que há no cinema (primeiro os filmes são exibidos nas salas e só alguns meses depois são disponibilizados noutros formatos), mas também parece fácil assumir que os hábitos de escuta dos fãs vão continuar a prevalecer – é que os métodos alternativos de consumo de música são muito fáceis de reaprender. Dito isto, continuo a achar que é sobretudo uma questão mediática, uma estratégia de Relações Públicas.
Mas os recordes quebrados por Adele com 25, esses, são bem reais. Será um sinal de vitalidade ou o canto do cisne? Não sei.
O que sei é que os recordes valem o que valem. Lembravam-se deste? Lembram-se de algum outro? Sabem qual é o álbum mais vendido de sempre? E a canção mais vendida de sempre? E o artista que mais Grammys arrecadou? O artista com mais números 1 de sempre nos Estados Unidos, no Reino Unido, em Portugal…
Ninguém quer saber. Os meios de comunicação falam do assunto durante uns dias e depois acabou. Os discos continuarão a vender, é quase certo… mas já ninguém falará do assunto.