A colaboração entre Mark Kozelek e Justin Broadrick é um ensaio sobre a falta de noção.
What does rekindle mean?
Esta é a pergunta que Mark Kozelek repete em “Good Morning My Love”, a primeira música do álbum que o seu projeto Sun Kil Moon editou em colaboração com Jesu, a one-man band de Justin Broadrick. Podem não lhe ligar muito à primeira, mas esta questão-refrão acaba por marcar a experiência com Jesu/Sun Kil Moon (sim, não perderam muito tempo a pensar no título do álbum). Mas porquê?
Primeiro porque é uma pergunta interessante – afinal, o que quer dizer “rekindle”? Depois porque resume quase na perfeição o álbum e a música de Mark Kozelek, bem como a sua relação atual com o mundo. A música de Justin Broadrick parece ser apenas mais um veículo para Kozelek passar a sua mensagem, pelo que as ondas gigantes de distorção e a eletrónica inofensiva do membro dos Godflesh ficam num muito bem definido segundo plano ao longo de todo o álbum.
A propósito do significado de “rekindle”, Mark Kozelek foi entrevistado pelo ator Rainn Wilson (numa espécie de reedição do episódio protagonizado por El Chapo e Sean Penn) e explicou de onde vem a pergunta:
“A canção surgiu inicialmente depois de ter visto um documentário chamado The Road to Las Vegas. Durante uma discussão entre marido e mulher no filme, a mulher sugere ‘talvez devêssemos reacender a chama [rekindle]?’ e o marido, que literalmente não sabia o que significava a expressão, perguntou ‘o que quer dizer reacender a chama?’ Fiquei arrepiado. A resposta dele foi tão profunda e poderosa, tornou-se o que, imagino, dirias ser o refrão da canção.”
É uma situação curiosa, de facto. Além de tornar a canção interessante, a pergunta – sobretudo com este contexto – ganha contornos de metáfora. Mark Kozelek parece descrever, numa pergunta, a sua vida nos dias que correm: ele no papel de marido e a ideia que ele tem do mundo no papel de mulher, duas pessoas a falarem línguas diferentes. O marido pergunta “o que quer dizer ‘rekindle’?”, ele pergunta ao mundo “o que queres tu de mim?” quando o acusam de misoginia e sexismo, de Universal Themesnão ser grande coisa ou de ser um idiota.
Infelizmente, o resto do álbum é preenchido em grande parte por episódios pouco interessantes – como acontecia em Universal Themes – e nem Jesu nos salva, até porque a estrutura repetitiva das composições de Justin Broadrick não se presta a esse tipo de funções. Pelo contrário, acentua as características da música de Sun Kil Moon. E se há momentos que prendem a nossa atenção – como a maior parte de “Good Morning My Love” e um bocadinho de “A Song Of Shadows” -, o que não falta mesmo é Mark Kozelek a piscar o olho a si próprio em canções como “Last Night I Rocked The Room Like Elvis And Had Them Laughing Like Richard Pryor” e “America’s Most Wanted Mark Kozelek And John Dillinger”. Ele é referências a Carissa (a mesma de Benji), a “This Is My First Day And I’m Indian And I Work At A Gas Station” (de Universal Themes), a Jimmy LaValle (com quem Mark Kozelek gravou Perils From The Sea há três anos), ao aniversário da sua irmã e, claro, aos fãs fanáticos por vinil (guilty as charged!).
A determinada altura, Mark Kozelek está tão dentro de si próprio que quase fica do avesso. Os exemplos mais gritantes deste auto-retrato revisionista são os dois momentos em que lê cartas de fãs de uma ponta à outra – cartas que servem apenas para reforçar o seu próprio ponto de vista sobre os seus últimos anos. E esta é a parte que me incomoda realmente: Mark Kozelek, o rebelde, o provocador, o tipo que diz o que pensa… afinal precisa de validação. Enfim. E depois ainda pergunta o que quer dizer “rekindle”.
Os temas mais consistentes e interessantes – “Good Morning My Love”, “Fragile”, “Exodus” e “Beautiful You” – perdem-se no meio do lodo. “Exodus”, por exemplo, fala sobre a morte do filho de Nick Cave e parte para uma homenagem a todos os pais cujos filhos morreram – o tipo de canção que poderíamos ter ouvido em Benji. Mas antes disto já o álbum nos adormeceu. Além disto, os convidados especiais que contribuíram para o álbum quase não dão sinais de vida: as participações de Will Oldham (também conhecido como Bonnie ‘Prince’ Billy), Rachel Goswell (dos Slowdive), Isaac Brock (dos Modest Mouse), bem como Mimi Parker e Alan Sparhawk (dos Low) passam praticamente ao lado.
Musicalmente, Jesu/Sun Kil Moon é banal. O trabalho de Justin Broadrick não enriquece especialmente um álbum conceptualmente pobre de Mark Kozelek. O melhor que consigo dizer acerca disto é que pode ser que algumas das canções soem bem ao vivo com roupagens mais acústicas, como acontece de vez em quando com a música dele. Mas nem isso é garantido.
Mark Kozelek parece demonstrar em Jesu/Sun Kil Moon que não quer saber de muita coisa. Continua a interessar-se pela morte, pela namorada, pela família e pouco mais. Diga-se que é uma grande evolução para um tipo com tamanha falta de empatia. Mas o jogo está a virar e às tantas, por este andar, não demoraremos a chegar a uma conclusão natural: a de que somos nós quem não quer saber dele.
Quando esse dia chegar, talvez lhe perguntemos nós: what does rekindle mean?