Patience, Moonbeam é um brilhante ensaio sobre como lidar com a distância, o tempo e a mudança.
É difícil explicar a importância que a música tem para mim. É, de resto, uma coisa que a Addison Rae e eu temos em comum. Já me chamaram unidimensional — e não há de ter sido, certamente, a pior coisa que me chamaram — e, apesar de não concordar inteiramente, percebo de onde vem.
Vem de momentos como este. Momentos em que a banda sonora encontra casa no meu dia a dia, no meu estado de espírito ou no estado das coisas.
E se, às vezes, é tão simples como “preciso de algo para acompanhar um desgosto de amor, portanto vamos lá pegar no For Emma, Forever Ago e bater no fundo”, noutras ocasiões, a coisa funciona mais à base de… vibes. É nesse plano que eu e Patience, Moonbeam, dos Great Grandpa, nos encontramos atualmente. A sintonia é quase total.
“Overfill and it will spill, every pain has thrills.” Não conhecia a banda, mas estou familiarizado com o sentimento. E este verso, que é um dos primeiros do álbum, é suficientemente vago para encaixar em diferentes situações. Uma dessas situações calha ser-me familiar.
Os Great Grandpa afastaram-se. Não sei porquê, mas há de ter sido uma mistura de fatores. O mais óbvio é a distância física. Oriundos de Seattle, hoje em dia vivem cada um para seu lado. Pat e Carolyn Goodwin, por exemplo, foram para a Dinamarca constituir família. Al Menne, o vocalista principal, vive em Los Angeles. Os outros nem sei. O que interessa é que eles se afastaram. E há coisas que mudam.
But distance distorts thе pain
A distância faz da comunicação um esforço muito mais consciente e intencional. Não há conveniência, não há acasos felizes. Há trabalho e ação. Sem isso, a ligação perde qualidade. E, para uma banda aparentemente tão próxima, tão em-cima-uns-dos-outros como os Great Grandpa, a distância que se criou foi como um veneno para as relações e, naturalmente, prejudicou a música. Pelo menos, numa primeira fase.
O que ouvimos agora em Patience, Moonbeam, o terceiro álbum de originais da banda, é, de certa forma, consequência disso. Felizmente, porém, está muito longe de ser isso.
É que a distância tem a ver com visibilidade. Mas a vida continua. E, se eles se espalharam por aí, a vida tratou de espalhá-los ao comprido. O casal esperava um filho que não chegou, Al Menne mudou de género — acontecimentos importantes que a distância tornou um pouco menos partilhados, por mais que a sua natureza já os tivesse tornado bastante solitários à partida.
It took me a while but I’ll come around
Os Great Grandpa tiveram de ultrapassar as barreiras criadas pela distância para continuarem — ou voltarem, até — a ser a banda que eram. Foram para estúdio em 2020, já em dispersão desde antes do lançamento de Four Of Arrows, o álbum anterior, e não correu bem.
Depois de quebrados certos automatismos que a proximidade e o contacto físico frequente promovem, pode ser difícil, estranho e desconfortável tentar pôr o todo a funcionar como é suposto. Até porque o que é suposto, às vezes, ficou para trás. E é preciso criar algo novo.
O meu primeiro contacto com a música dos Great Grandpa foi há uns meses valentes, graças a “Kid”, curiosamente a única canção que sobreviveu às sessões de 2020. Mas, à medida que me fui familiarizando com Patience, Moonbeam, quis conhecer melhor o que ficou lá para trás, até porque sei que existe algum culto em torno da banda e não é de agora. E cheguei a uma conclusão: o que eram interessa-me consideravelmente menos do que o que são agora.
It’s gonna find you again, and again, and again
Não terão voltado à estaca zero, naturalmente. Mas foi preciso reparar o que precisava de um jeitinho. Foi preciso reconhecerem-se nos seus novos papéis, com generosidade, paciência e amor. Eles eram um bocadinho emo, um bocadinho slacker, um bocadinho grunge, um bocadinho indie. O que seriam agora?
Numa primeira análise, Patience, Moonbeam parece replicar a dispersão da banda. Mas onde outros ouvem uma certa falta de coesão em canções influenciadas por diferentes géneros ou subgéneros musicais, eu ouço sinais de amadurecimento. Ouço música um pouco mais paciente, um pouco mais melosa. Os Great Grandpa soam, neste álbum, mais gentis e delicados do que soavam até Four Of Arrows. E isso, como tanta coisa neste álbum, combina comigo.
Tanto gritam todos ao mesmo tempo (“Ladybug”) como deixam que os diferentes registos vocais apresentados por Al Menne ao longo do álbum falem por si. Tanto soam a Elliott Smith (“Never Rest”) como a Radiohead (“Doom”) e a Phoebe Bridgers (“Top Gun”). E tanto nos pedem que compreendamos (“Task”) como nos levam pela mão sem grandes explicações (“Kid”).
Percebo que Patience, Moonbeam possa parecer disperso. E, honestamente, quando damos por nós num passeio pela trip hop de “Ephemera”, é difícil contra-argumentar. Ainda assim, volto à generosidade, à paciência e ao amor.
It’s funny how I need you, damn
Volto também ao que me liga à música. “Task”, provavelmente a canção que melhor representa o momento da banda enquanto grupo de amigos e o espírito do álbum como um todo, dá-nos luz e uma sensação de reparação instantânea. “Top Gun” abraça-nos e aceita as coisas como elas são. “Never Rest” e “Emma” dão-nos um vislumbre de tensão e drama, mas deixam espaço para algo mais. E antes que esse algo mais chegue, ainda falam de um passado longínquo (“Junior”) e passam notas sobre mudança e crescimento (“Kiss The Dice”).
Mas algo mais chega mesmo e chama-se “Doom”. Tensa, sombria e desconfortável, leva-nos numa viagem que evoca um estado de espírito menos luminoso — não é, certamente, por acaso que surge imediatamente antes de “Task” — e fá-lo, parece-me, até ao limite.
E é quando se liberta a tensão que as palavras se tornam muito concretas. Se nos minutos iniciais se evocava, agora recupera-se um bocadinho do que “Emma” já tinha para nos dizer, mas a plenos pulmões e de punho cerrado: “It’s funny how I need you, damn”. E quando o verso declaramente mais emo, mais dramático de Patience, Moonbeam começa a mudar, primeiro, para algo que não é bem assim e, depois, para algo definitivamente mais sombrio e final, simplesmente já cá não estamos. Mudámos de plano. Estamos noutro sítio qualquer, mas não é aqui. Foi preciso dizer a coisa certa da maneira certa. O resto que se foda.
I just wanna stumble hard and tell you everything
E agora?
Viemos todos — os Great Grandpa e eu — parar a um sítio novo. Parece-me um bom sítio para descansar um bocadinho.
Este álbum está vivo. É sobre a procura da fórmula certa (mais até do que sobre encontrá-la), sobre reparar o que precisa de ser reparado e sobre aceitar o que acontece, o que a vida é, quem os outros são e também o que nós somos.
“Kid”, a canção sobre o tal filho que nunca chegou, deixa-nos no chão, mas diz-nos a verdade:
I don’t want to rush this part
And tell you everything is fine again
A melody that breaks your heart
And feels like everything’s good suffering
Não nos deixemos enganar. Estes processos não terminam. Duram enquanto durarmos. Mas agora tenho Patience, Moonbeam para me recordar disso.