Foxes In The Snow não é o melhor álbum de Jason Isbell, mas é o que tem para dar.

É tão ingrato escrever sobre Jason Isbell.

Primeiro, porque sinto que estou a escrever para o vazio. Ainda mais do que habitualmente. O conjunto de pessoas que não conhecem, não querem saber ou não gostam de Jason Isbell é para lá de maioritário. O que é uma pena, claro, mas também é o que é.

Depois, porque não é escrever sobre música. É escrever sobre um dos letristas mais talentosos da música popular norte-americana, o que faz com que tudo o que eu escreva soe a pouco. Ainda mais do que habitualmente.

Ainda assim, vamos lá. Já escrevi um bocadinho sobre ele anteriormente. E ele já lançou uns quantos álbuns entretanto, mas quero focar-me no mais recente, Foxes In The Snow.

Um pouco de contexto

Jason Isbell era casado com Amanda Shires — artista, violinista, membro das Highwomen e, ocasionalmente, da banda de Isbell, os 400 Unit —, mas já não é. Foxes In The Snow é sobre isso. Adicionalmente, de há um tempo para cá, Jason Isbell namora com a pintora canadiana Anna Weyant. E Foxes In The Snow também é um bocado sobre isso. O que, pronto, é uma escolha peculiar, mas certamente possível.

O álbum tem outra característica interessante: inclui apenas voz e guitarra — sempre a mesma, sem efeitos ou overdubbing — e com cada canção gravada de uma só vez, voz e guitarra ao mesmo tempo. É a primeira vez desde Something More Than Free, de 2015, que Jason Isbell lança um álbum sem o nome da sua banda estampado na capa e temos de recuar até 2007 para encontrarmos o último álbum — o de estreia a solo — que lançou sem a participação de qualquer elemento da banda. Ou seja, Foxes In The Snow é um álbum extremamente a solo.

O músico deu, no geral, duas justificações para esta solidão toda: por um lado, a vontade de, musicalmente, arriscar fazer algo diferente do que tem feito na última década e meia; por outro, não querer envolver o resto da banda num processo criativo extremamente pessoal e potencialmente desconfortável.

Vá, vamos com calma

Quando percebi que Jason Isbell ia lançar este álbum, pus as expectativas lá em baixo. Não é que não goste do trabalho dele a solo — algumas das minhas canções favoritas, como “Elephant”, “Speed Trap Town” e “If We Were Vampires”, são marcadamente acústicas —, mas não o conseguia imaginar a seguir um caminho que não envolvesse blues e uma folk mais tradicional, abordagens que tendem a não fazer muito por mim. “Bury Me”, o primeiro single, veio, de resto, reforçar essa impressão. Um mês depois, o segundo single, “Foxes In The Snow”, nada fez para a alterar.

Ainda assim, a vantagem de baixar as expectativas com um artista de que gostamos muito é que nos pomos a jeito para sermos surpreendidos. E foi, em certa medida, o que aconteceu.

Não foi, definitivamente, pelo álbum como um todo, que, de facto, salta da autópsia à relação anterior para a excitação com a nova como quem junta gelado de baunilha e sopa de espinafres. Isto apesar de soar extremamente coeso, fruto da abordagem voz e guitarra de que falei atrás. Quer dizer, soa coeso se não prestarmos muita atenção às letras, o que, além de difícil, é pouco avisado quando se está a escutar música escrita por este indivíduo.

Mas Foxes In The Snow tem muitos momentos bons, o que torna mais difícil desconsiderá-lo.

O fim de uma relação

O fim da relação de Jason Isbell com Amanda Shires é o principal tema do álbum, com canções como “Eileen” ou “Gravelweed” a aterrarem de forma particularmente pungente. Na primeira, versos como “It ended like it always ends / Somebody crying on the phone” ou “Forever is a dead man’s joke” dão-nos uma visão mais crua. Na segunda, porém, o refrão dá-nos conclusões um pouco mais compostas:

I was a gravelweed and I needed you to raise me
And you couldn’t reach me once I felt like I was raised
And now that I live to see my melodies betray me
I’m sorry the love songs all mean different things today

Há notas para o próprio (“Don’t Be Tough”), há uma certa dificuldade em deixar de estar na defensiva (“True Believer”) e há autocomiseração q.b. (“Bury Me”), mas também há o resto. Jason Isbell tem, nesta terceira ou quarta vida, muito amor para dar. Mas, mesmo isso, vem em diferentes formatos.

E o início de outra

Não faltam declarações de amor em canções como “Foxes In The Snow” e “Open and Close”, mas as melodias não lhes fazem justiça. Falta-lhes… luz.

Mas é exatamente aí que não consigo deixar cair Foxes In The Snow. Porque essa luz aparece, a espaços — sobretudo na secção final do álbum.

O primeiro teaser, na verdade, aparece logo em “Ride To Robert’s”, a segunda faixa do álbum, que nos traz simplicidade, energia e um calorzinho do sul dos Estados Unidos (Robert’s Western World é um famoso bar de Nashville, no Tennessee). Mas “Good While It Lasted” — “with your head on my shoulders, my soldiers retreated” — aconchega-nos numa espécie de ode a aproveitar o que for possível de algo novo e prometedor.

Mas a melhor canção do álbum, “Wind Behind The Rain”, é a que o fecha e talvez nem sequer devesse lá estar. É a menos pessoal, já que Jason Isbell a compôs para a primeira dança do casamento do irmão. Mas acaba por ser um final perfeito. 

All my wild beginnings are behind me
And I know that we can stick it out somehow

Depois do rebuliço, um bocadinho de esperança e amor em estado puro. Um bocadinho de luz.

Tematicamente bicéfalo e musicalmente curto, Foxes In The Snow está longe de ser o melhor álbum que Jason Isbell lançou. Mas isso já eu esperava. O álbum parece um pouco mal resolvido, mas é bem servido por canções que incluem alguns vislumbres de sol, de caminho disponível, de futuro.

Não há de chegar para todos — para mim, não chega —, mas Jason Isbell diz claramente que nunca seguiu o caminho mais fácil. E eu cá estarei para ver onde vai ele a seguir.