Cruzei-me com os Death Cab For Cutie pela primeira vez em 2005, poucos meses antes do lançamento de Plans. Estou certo de que ouvi Transatlanticism e me maravilhei com cada canção, cada verso, cada refrão. Estou certo, também, de que isso me fez ouvir Plans, editado no final de agosto desse ano, de uma forma diferente.
Na altura, a minha reação não foi boa. Achei o álbum circular, quase vulgar (não ponho aspas para evitar o ridículo de me citar a mim próprio mas as palavras são exatamente estas) e chutei-o para o canto dos álbuns olvidáveis.
Em minha defesa, parece-me claro que os Death Cab For Cutie são das bandas mais irregulares que por aí andam – e não é coisa de agora. Não há, com a possível exceção do maravilhoso Transatlanticism, álbuns dos Death Cab For Cutie sem pontos baixos. Plans parecia-me, em 2005 e sem grande conhecimento de causa, um disco em que os pontos baixos pesavam muito mais do que os altos. E é assim, como diria Kurt Vonnegut.
O problema com os planos
Mas nove anos depois, creio estar preparado para rever a minha opinião sobre Plans. Descansem que não vou pôr-me para aqui a chamar-lhe obra-prima ou algo que o valha. Mas sinto-me na obrigação de vos tentar convencer de que em 2005 era um miúdo que estava errado e agora sou um velho sábio que está tão correto quanto possível.
Em 2005, a minha idade e o meu cinismo militante impediram-me de ouvir isto como deve ser: com os meus planos frustrados; com as minhas frustrações em destaque; com os meus falhanços bem presentes. Em 2014, ouço Plans noutro contexto. Em 2034, se ainda por cá andar, o contexto será ainda melhor, tenho a certeza. Plans cresce à medida que os anos passam.
Em Transatlanticism, o álbum anterior dos Death Cab For Cutie, esse sim uma obra-prima, o tema central era imediato. A distância, no tempo ou no espaço, é algo com que todos lidamos desde cedo. E é algo que facilmente enquadramos na nossa experiência.
O problema com os planos é que tendem a estar por realizar quando se é um miúdo. Os planos estão no futuro.
A partir de certa altura, no entanto, começamos a ver no retrovisor pelo menos alguns deles espatifados lá atrás. Portanto, com o tempo, tornei-me mais sensível ao tema.
Sabes que começou no “se”
A primeira palavra proferida em Plans é “se” (ou “if”, se preferirem). A canção de abertura do disco, “Marching Bands Of Manhattan”, parece estar sempre só a começar, parece uma introdução que não termina. Se, se, se… Querem melhor forma de começar?
Há vários elementos em Plans me que fazem pensar em matemática. Desde logo, a ideia de plano, de algo composto por hipóteses, etapas e um resultado final. Mas não é só isso. Os versos de Ben Gibbard, com a sua tendência para encaixarem perfeitamente uns nos outros e todos juntos na música, também ajudam. E já agora a música em si, claro, que por vezes parece feita a régua e esquadro. Podia ser uma crítica mas não é – afinal, é preciso estrutura para se levarem a cabo os planos. E a perfeição requer uma certa estrutura.
Mas o que se percebe facilmente à medida que se vai avançando em Plans é que, com ou sem estrutura, nem sempre as coisas correm como queremos (desculpa, “Soul Meets Body”) e planeamos. E é nos momentos em que esta noção está bem presente que o álbum ganha outra dimensão, a tal dimensão que em 2005 me passou ao lado. E é isso que aquele verso final da agridoce “Summer Skin” nos oferece: às vezes, simplesmente não há plano que nos valha, ou “and we left our love in our summer skin”.
Depois desta conclusão, “Different Names For The Same Thing” surpreende-nos pela forma dramática como lida com o vazio ou a desilusão ou lá o que é. Pelo menos inicialmente, já que depois a música muda de forma, abraçando o piano e a mágoa e integrando-os no álbum.
E depois do plano
Quem ouviu Death Cab For Cutie mais do que uma vez na vida sabe que às vezes é difícil não resmungar entre dentes um “emo” aqui e ali. E se há altura em Plans em que isso se faz sentir é na secção central do álbum, com “I Will Follow You Into The Dark”, “Your Heart Is An Empty Room” e “Someday You Will Be Loved”. Destaco a do meio, que aborda um aspeto interessante: o que fazer depois de cumprido o plano? Ben Gibbard responde-nos com uma regra muito antiga da natureza humana, neste caso aplicada às relações amorosas: para algumas pessoas, é uma questão de tempo até arranjarem maneira de precisarem de mais, de algo diferente. É como ter uma bicha solitária no coração.
Mas pronto, agora sou eu que estou a ficar emo. Vamos embora.
À medida que o álbum se aproxima do fim, a coisa volta a engrandecer. “What Sarah Said”, um dos pontos mais altos de Plans, é provavelmente a canção mais completa de Plans. “Love is watching someone die”, disse a Sarah. E o raio da canção passa a imagem mais vívida dos momentos que antecedem uma morte esperada. Por essa altura, quando quase só restam memórias, já ninguém quer saber dos planos.
“Brothers On A Hotel Bed” dá-nos a dimensão paralela. Nada é violentamente interrompido. Os planos são cumpridos religiosamente. Mas as pessoas mudam e isso dá boas canções.
Não me parece que esteja a fazer justiça ao lado musical de Plans. Mas ouçam as canções e digam-me vocês se, entre os notáveis régua e esquadro instrumentais, o talento cirúrgico do guitarrista Chris Walla (que abandonou a banda há coisa de dois meses) e as letras perfeitas de Ben Gibbard, não vale a pena perdermo-nos lá no meio?
“I won’t mind”
Se ainda não vos convenci, deixem que a sublime “Stable Song” o faça por mim. É a versão pop de “Stability” (editada em 2002 com 12 minutos de duração) e acho que a adoro tanto quanto me é possível. Foi a minha porta de reentrada no álbum e é uma das melhores “closers” que já ouvi. Das mais tristes que já ouvi. Das mais bonitas que já ouvi. A desilusão é uma puta, a memória é uma merda mas olha, que se foda. “Stable Song” é a melhor canção alguma vez feita para derrotados.
Plans é um brinde aos planos que ficaram por concretizar. Não é um álbum-nota-10 – claro que não – mas é bem mais do que apenas um exercício interessante. É uma viagem ao passado, ao potencial inexplorado, às mudanças que ocorreram, às pessoas que desapareceram, ao que restou e ao que ainda falta cumprir.