Mudei de opinião sobre a Amazon

Amazon

Já escrevi e falei imensas vezes sobre a Amazon.

Enquanto cliente, nunca tive razões de queixa. Bons preços, boa gestão da relação com os clientes, uma experiência em loja bem acima da média, um bom sistema de classificação dos produtos (que, como é sabido, vive do feedback dado pelos próprios utilizadores) e um mercado bem regulado para outros vendedores são algumas das características deste gigante do retalho que tenho referido ao longo do tempo em conversas com amigos e em artigos por aqui.

Em boa verdade, nada disso mudou. E não, não tive nenhuma má experiência. Mas houve algo, um momento que me fez refletir sobre a forma como consumo música: no início de abril, a Amazon informou os seus clientes de que deixaria de ter entrega gratuita ao domicílio para uma série de países europeus, entre os quais estava naturalmente Portugal. Foi isto que me pôs a pensar.

Tendo de pagar portes, a referência aos bons preços da Amazon não perdem validade mas passam a fazer menos sentido, já que a diferença relativamente a concorrentes locais é menor. Continua a existir uma diferença favorável aos preços da Amazon, mesmo com os portes. Mas qual é o real custo disto?

A Amazon não paga impostos em Portugal. Mais: a Amazon paga bem menos impostos do que devia, ponto.

Sabem quem paga impostos em Portugal? Eu. Alguns de vocês. Uns milhões de portugueses e uns milhares valentes de estrangeiros. E, claro, milhares de empresas portuguesas e estrangeiras com negócios em Portugal.

O pouco dinheiro que poupamos quando compramos na Amazon poderia ser aplicado num ou noutro ganancioso retalhista português. A Fnac, que eu já critiquei tantas vezes e que tem muitos problemas, é um exemplo. Lojas independentes como a Carbono, a Louie Louie ou a Flur, com todos os seus defeitos típicos do comércio local, são outros exemplos. A Trem Azul, por outro lado, já não é exemplo: a partir de 1 de agosto, acabou-se a loja de jazz mais conhecida do país.

Nada disto, excepto a notícia de que a Trem Azul vai fechar, é novidade. A última vez que fiz contas, custava-me menos 30 euros comprar o meu top 10 de discos de 2012 na Amazon (na altura, sem portes de envio). É um valor apreciável. Mas tendo em conta que, fora IVA e custos de transporte, um gigante como a Amazon consegue obter preços de lista certamente bem abaixo dos de qualquer outro retalhista local (devido à economia de escala), parece-me óbvio que os motivos para essa diferença são razoáveis.

Infelizmente, nem toda a gente que quer consumir música em formato físico pode escolher gastar mais dois ou três euros por disco. É a situação em que estamos. Pior: há muito boa gente a quem nem sequer passa pela cabeça gastar dinheiro em música. Já sabemos porquê: o dinheiro não estica.

Quanto aos restantes, a decisão é nossa. Quando a diferença é tão pequena, defendo que devemos gastar o nosso dinheiro por cá.

Não quero premiar mau serviço ao cliente nem abusos em defesa de um patriotismo ou protecionismo manhoso. Acho que se tiveram más experiências com um retalhista português, seja ele grande ou pequeno, devem reclamar, sugerir mudanças, espalhar a palavra, boicotar, apoiar concorrentes (ou criá-los de raiz) – o que quiserem.

O meu problema é com o desemprego. Todos nós conhecemos alguém que passou ou está a passar por uma situação difícil. Eu tenho tido sorte mas é possível que alguns de vocês não possam dizer o mesmo.

Deixar de comprar coisas na Amazon vai fazer diferença? Claro que não. Não só por si, pelo menos.

Mas temos de começar por algum lado. Eu começo por mudar de opinião. Porque acho que pode ajudar gastar mais dinheiro em Portugal. E porque acho que empresas que pagam menos impostos do que deviam (sobretudo quando são gigantes), tal como as que prestam maus serviços, não devem ser premiadas por isso.

Isto não quer dizer que não tenhamos um problema de mentalidade. Criamos pouco e não pensamos em grande. Não somos ativos na defesa dos nossos interesses e deixamo-nos levar de vencida pela corrupção, pela politics as usual. Entrámos em campo para perder por poucos e não para ganhar. Não estamos a contribuir o suficiente. Mas a merda é que não podemos fazer nada sozinhos e assim mais vale ficar quieto. O contexto parece nunca ajudar.

Mas o que seríamos nós sem um bocadinho de wishful thinking?

Desculpem o tom mas mudei de opinião: sempre que puder, vou comprar em Portugal.