O Apple Music foi lançado a 30 de junho em 100 países e, como seria de esperar, Portugal não ficou de fora. A surpresa? O preço do serviço é o mesmo que o do Spotify Premium: €6,99 por mês. No mínimo, demonstra que a Apple fez algum trabalho de casa e teve em conta especificidades de alguns mercados (o Apple Music e o Spotify custam menos três euros em Portugal que no resto da Europa). Mas é preciso não esquecer que não tem uma modalidade gratuita como o Spotify, o que pode fazer toda a diferença para utilizadores que ainda não estejam a bordo do streaming.
Assim que a Apple anunciou o Apple Music, sabia que seria o único serviço com potencial para concorrer com o Spotify. Não por apresentar funcionalidades revolucionárias, não por ser fundamentalmente melhor mas por… conveniência. Na altura do anúncio, um dos aspetos mais importantes para me convencer foi o potencial de integração com os sistemas operativos Apple e com o iTunes. Passado algum tempo de intensa utilização, cheguei a uma conclusão.
Mas vamos por partes.
O catálogo
No geral, o Apple Music é um serviço bastante competente. Grande parte da música que me interessa está lá e é fácil de encontrar no iPhone, no iPad ou através do iTunes. Fora a vantagem de ter videoclips disponíveis, 90% do catálogo de música deve ser igual ao do Spotify. No entanto, eu, com o meu gosto limitadíssimo e em apenas alguns dias, percebi que têm todos os álbuns dos Radiohead, incluindo In Rainbows (que não está no Spotify), mas não têm quase nenhum álbum ao vivo de Mark Kozelek, por exemplo. Há diferenças, claramente, e a mais óbvia chama-se Taylor Swift, cuja discografia está disponível no serviço da Apple.
Descoberta e curadoria
Um dos argumentos mais fortes do Apple Music é o elemento humano de apoio à descoberta de música. A curadoria já era um dos pontos fortes do Beats Music, o serviço que a Apple comprou há mais de um ano para preparar este lançamento, e continua a sê-lo. A relação começa de forma estranha, com o utilizador a ter de navegar por uma série de bolas, cada uma delas representando um género e, numa segunda fase, um artista. Escolhe-se uns quantos e pronto. Mas a magia acontece à medida que se vai utilizando o serviço e, consequentemente, refinando os filtros do serviço, que começa a apresentar-nos música mais ao nosso gosto. Isto faz com que a secção “Para si”, que está cheia de playlists temáticas e focadas num ou noutro artista ou género, funcione bastante bem.
Criar e gerir playlists
Criar playlists a partir do nada é tão fácil como seria de esperar. Geri-las também. Selecionar playlists criadas pela Apple (cujos conteúdos estão em Português do Brasil…) ou por alguns dos parceiros (Pitchfork, NME, Vice, Shazam, etc.) e ouvi-las offline não traz qualquer problema. Desde que não tentem fazê-lo misturando música disponível no serviço e música que só esteja disponível na vossa biblioteca de música do iTunes. Aí a coisa já pode não funcionar tão bem. Eu, por exemplo, não consegui fazer uma playlist com as músicas de Broken Social Scene (o álbum não está disponível no Apple Music) para ouvir no telemóvel. Ou melhor, criei a playlist com as músicas e elas simplesmente não apareciam senão no Mac. Ainda tentei copiar a playlist manualmente para o telemóvel, como fazia nos tempos longínquos pré-streaming, mas o iTunes não me deixou porque – pasme-se! – não é possível fazê-lo quando se tem a biblioteca sincronizada via iCloud (acabei por fazê-lo de forma bastante simples através do… Spotify). O que me leva ao próximo ponto.
Integração com sistemas operativos e sincronização
Jasus. O único aspeto em que a Apple podia fazer de facto a diferença acaba por ser o principal problema do serviço. A minha música está disponível na mesma aplicação que a do serviço mas não há integração além disso. Ora surge junta em playlists ou quando fazemos uma pesquisa, ora temos de andar a saltar entre áreas para perceber o que é nosso e o que não é. Além disso, boa sorte a tentar pôr o iCloud, o iTunes Match e o Apple Music a funcionarem em conjunto. E é aqui que a Apple surpreende a sério, já que a simplicidade de integração de serviços sempre foi uma das principais características dos produtos da empresa de Cupertino. No Apple Music reina a confusão, sendo que em certos casos até coisas que estavam perfeitamente organizadas sofrem efeitos secundários (coleções de música com canções fora dos álbuns, capas de álbuns não correspondentes ao original, canções erradamente identificadas como fazendo parte de um álbum e outras aberrações) destes encontros entre serviços Apple que deveriam funcionar na perfeição tanto juntos como separados.
Problemas de utilização
Se o Apple Music fosse uma aplicação para iPhone ou iPad, os problemas não seriam graves. Alguma lentidão (ainda assim, melhor que o Spotify neste capítulo), um ou outro crash inexplicável e ainda algumas canções que teimam em não tocar – tudo isso seria compreensível. Mas o facto de termos de lidar com o iTunes no Mac, cada vez mais parecido com o monstro de Frankenstein, já que é pau para toda a obra (compra de música e livros, aluguer de filmes, streaming de música, gestão da coleção de música, sincronização do iPhone…), parece um teste à nossa capacidade de resistência. É frustrante, complicado, muitas vezes sem sentido e geralmente desagradável. Enquanto não resolverem este problema chamado iTunes, dificilmente conseguirão convencer-me.
Ouvir rádio
Não sei exatamente o que se pode dizer sobre um serviço de rádio, sobretudo não sendo eu particularmente ativo nessa área. Beats 1 é uma estação de rádio, tem música e conversa e funciona 24 horas por dia como quase todas as rádios que eu conheço. Não perdi muito tempo com esta parte do serviço mas ouvi um bocadinho e pareceu-me… rádio. Quanto às rádios temáticas, enfim, são como playlists… mas não sabemos o que vai tocar a seguir. Funcionam exatamente como as rádios dos outros serviços de streaming. A sério, o que mais se pode dizer?
Ping Connect, ou como é difícil ser social
O Connect promete ser o Facebook, o MySpace, a parte social do Spotify, o Twitter, o Instagram e o novo Ping da Apple e, como tal, nunca conseguirá ser nada. É o que acontece quando um serviço que quer ser social não sai do seu condomínio fechado. Para terem uma ideia, nos primeiros seis dias de utilização do Apple Music, tive os mesmos dois posts de artistas que tinha quando entrei. E o ritmo não melhorou especialmente nos últimos meses. A minha previsão é a de que o Connect desapareça do mapa se não conseguir abrir-se ao mundo.
Além de tudo isto, não consigo seguir os meus amigos, ouvir as músicas que partilham ou criar playlists colaborativas – tudo coisas que se fazem bastante bem no Spotify, que ainda permite trocar mensagens e partilhar posts nas principais redes sociais e incorporar playlists e álbuns em páginas web (como fazemos de vez em quando por aqui).
Conclusão: subscrever ou não?
Para mim, o Apple Music é uma desilusão. Tem um bom catálogo e, para uma utilização simples, cumpre o objetivo. Mas esperava-se muito mais qualidade e menos problemas. A má integração do serviço com o resto do ecossistema é para mim o principal problema de um serviço que não brilha especialmente em quase nenhum campo, com a possível exceção da descoberta/curadoria musical. Mas mesmo isto não é nada que, um bocadinho melhor ou um bocadinho pior, não exista já na concorrência.
Lançar um serviço sem funcionalidades inovadoras não é algo inédito para a Apple – o que é inédito é um produto final sem inovações não ser sequer mais simples ou agradável de utilizar do que os concorrentes. Não é, disso podem ter a certeza.
Não vou subscrever o Apple Music e não o recomendo particularmente. Não está ao nível do Spotify, cujo serviço premium subscrevo há mais de dois anos sem grandes motivos de queixa.
As próximas evoluções do serviço poderão mudar a minha opinião mas para já… não.