A tralha de Elliott Smith é melhor que a vossa

Elliott-Smith

A banda sonora de Heaven Adores You diz-nos mais sobre Elliott Smith do que o próprio documentário.

Heaven Adores You, o documentário de Nickolas Rossi sobre Elliott Smith, já por aí anda há algum tempo. Em Portugal, pudemos vê-lo no cinema em 2014 durante o Doclisboa e podemos vê-lo agora no iTunes, em DVD ou Blu-ray.

Apesar de abordar todos os pontos importantes que associamos à carreira de Elliott Smith – a infância, a adolescência, as primeiras bandas, os Heatmiser, a nomeação para um Óscar, os problemas com drogas e a morte -, o filme não é suficientemente profundo e, durante a maior parte do tempo, parece simplesmente uma homenagem de um fã.

É, portanto, curioso que a banda sonora acabe por falar mais alto sobre a vida de Elliott Smith do que o filme. Mas é o que acontece.

Impossível de abordar como um álbum, a banda sonora de Heaven Adores You editada esta semana tem todas as características de uma caixa de tralha guardada há anos num sótão. Só que a tralha de Elliott Smith é muito melhor que a nossa.

A superficialidade do filme tem na banda sonora, ao mesmo tempo, uma antítese e um complemento. Aquela beleza na dor que nos habituámos a associar a Elliott Smith está muito mais presente em temas como a versão a solo de “Plainclothes Man”, originalmente editada por Elliott Smith com os Heatmiser, ou a desarmante demo de “Waltz #1” do que no documentário. E sim, esta compilação de raridades, demos e versões alternativas é um exercício de nostalgia, claro, como é o próprio documentário. Mas ao contrário do documentário, fala por si e não deixa nada por dizer – porque está completamente focada na música.

Os que não conhecem Elliott Smith não vão encontrar aqui muito com que se entreter (mas convém perguntarem a vocês próprios o que andam a fazer com a vossa vida), isto é definitivamente para fãs.

Canções como a bluesy “Untitled Soft Song In F” ou outras faixas sem título acrescentam pouco à brilhante carreira do músico norte-americano, mas permitem olhar para a música dele através de uma lente diferente, algo importante para os que precisam de completar o quadro que, aos olhos de muitos fãs, Elliott Smith não terminou de pintar.

Com espaço para tudo, o disco apresenta-nos o tema com que o documentário encerra: “I Love My Room”, uma espécie de “Bohemian Rhapsody” adolescente, pouco seletiva e extremamente descritiva gravada por Elliott Smith com 14 anos.

Mas vamos ao ponto alto. Incluída originalmente na banda sonora de Good Will Hunting, “Miss Misery” foi o tema que maior notoriedade trouxe a Elliott Smith. Valeu-lhe uma nomeação para um Óscar e valeu-nos esta incrível atuação na cerimónia em que Céline Dion acabou por vencer o prémio de melhor canção sem surpresas, graças a Titanic e “My Heart Will Go On”.

Graças à nomeação para os Óscares, Elliott Smith acabou por se estrear ao vivo num programa televisivo. Foi no Late Night With Conan O’Brien e o resultado foi uma versão acústica (como quase sempre) de “Miss Misery” crua e simples, algo cada vez mais raro neste tipo de programas. É essa versão que podem ouvir no disco e não há muitas palavras que lhe façam jus.

Mas a música de Heaven Adores You – o disco – acaba por funcionar muito bem sozinha, sem grandes necessidades de contexto. Temas como “Christian Brothers” (com os Heatmiser) e a versão de “Say Yes” gravada ao vivo no Yo Yo Festival em 1997 são, só por si, bons motivos para ouvir o disco. E sabem que mais? O disco é bom. Não em produção, não em música revolucionária. Mas como fotografia ou uma série de fotografias tiradas nos bastidores da obra de Elliott Smith. E é possível que vos leve a mergulhar novamente na música dele.