Não, dizem eles. Sim, digo eu.

Os Big Thief são um animal estranho. Adrianne Lenker apresenta todas as características daquilo a que se convencionou chamar “bicho do mato”. Em palco, o ar tímido e reservado da vocalista é complementado pela suave ligeireza do guitarrista Buck Meek, que parece estar a fazer outra coisa qualquer. E nem me façam falar do baterista, que é todo um espetáculo por si só.

Quase tão estranho como o quadro que pintei é o facto de terem decidido lançar dois álbuns este ano, como se estivéssemos nos anos 60 e não houvesse tempo a perder. Depois do aclamado U.F.O.F., lançado em maio, os Big Thief não quiseram perder tempo e mandaram Two Hands cá para fora em outubro. A minha conclusão: se é para lançar álbuns destes, até podem fazê-lo todos os meses.

O álbum é muito bom, a banda está bem e recomenda-se. Two Hands está cheio de canções bem rodadas ao vivo ao longo dos últimos anos, mas há uma delas que se destaca mais do que qualquer outra. Chama-se “Not”.

A canção parece um jogo de charadas, mas todas as pistas são sobre o que a palavra em falta não é. Não estou certo de conseguir perceber do que raio está ela a falar enquanto mapeia todas as coisas que não são, mas reconheço a intensidade, a intimidade e a emoção que “Not” carrega.

É uma viagem do caraças. Simples, sem floreados nem arranjos, parte para cima de nós com tudo. Começa num registo rock semi-vivaz e acaba a partir-nos a cabeça com um solo de guitarra que dura quase três minutos. O segredo não é o que cresce durante este tempo, mas o que consegue fazer através da repetição.

A voz de Adrianne Lenker começa a apertar e arranhar à medida que vai listando todos os “nãos”. Dou por mim a cantar o refrão, ansioso, de coração acelerado e um pouco comovido. Continuo sem saber porquê, mas talvez seja a voz. Ou as guitarras. Ou a bateria. A verdade é que tudo o que me parece catártico costuma chegar-me bem aos ouvidos. E, apesar de se tentar definir pelo que não é, “Not” é catarse. É, também, uma das melhores canções de 2019.