Este é o segundo de dois artigos sobre o melhor da música em 2019.
Foi bem mais fácil compor a lista de melhores canções de 2019 do que a de melhores álbuns. Primeiro porque os álbuns são maiores e mais complexos, exigindo maior investimento em termos de tempo e disponibilidade mental. Depois porque tendo a não ouvir música com que não estabeleça uma ligação emocional. Não mais do que uma vez, pelo menos. Então, às vezes é preciso que determinado álbum me chegue no momento certo, sob pena de ser atirado para a pilha dos “meh”.
Mas aqui não há pilhas nem “meh”, há as obras que mais me tocaram, os melhores álbuns de 2019:
10 – The Highwomen – The Highwomen
The Highwomen não vai mudar a vossa vida, mas é um pontapé no rabo do establishment da música country. Amanda Shires, Brandi Carlile, Maren Morris e Natalie Hemby pegaram no espírito do supergrupo The Highwaymen, criado por Johnny Cash, Kris Kristofferson, Waylon Jennings e Willie Nelson nos anos 80, e lançaram um álbum cheio de canções orelhudas que Nashville e arredores teve mesmo de escutar com atenção. E tenho a certeza de que nem lhes custa assim tanto, que The Highwomen é uma das melhores coisas que a country produziu nos últimos anos.
Só uma música? Ouçam “If She Ever Leaves Me”.
9 – Clairo – Immunity
Immunity conquistou-me ao primeiro acorde. “Alewife” abre o disco de forma a desarmar-nos, pelo que só nos resta ouvir o que Claire Cottrill tem para dizer nos 40 minutos seguintes. A voz dela é gira, bem redondinha e interessante. As canções têm cabeça, tronco e membros. O álbum está cheio de bons momentos. É o primeiro álbum de Clairo, mas Immunity deixa-me absolutamente pronto para os próximos.
Só uma música? Ouçam “Bags”.
8 – Strand of Oaks – Eraserland
Timothy Showalter não é uma pessoa dada a grandes inovações. Respira música, cresceu mergulhado nela e é por isso que Strand of Oaks é um projeto tão querido por tantos artistas e, ao mesmo tempo, tão reverente a estes e muitos outros. Eraserland é o regresso à boa forma de HEAL, depois de um Hard Love passável. Segundo Showalter, é também o regresso a uma “boa forma” mental, a um sítio melhor. É um álbum honesto, visceral, luxuoso, imperfeito e barulhento. É para ouvir sozinho, mas é para ouvir.
Só uma música? Ouçam “Weird Ways”.
7 – Hiss Golden Messenger – Terms of Surrender
M. C. Taylor é um tipo prolífico. Com dez álbuns editados desde 2009 como Hiss Golden Messenger, é bom ver que continua a fazê-lo com tanta qualidade. Vai à folk, vai ao rock, vai aos blues, vai a qualquer sítio onde precisem de uma guitarra e um tipo com coisas para dizer. E ele não se coíbe de o fazer, saltando entre o tom confessional e o manifesto político como quem muda de sol para mi menor na guitarra. Terms Of Surrender é americana de melodias simples e um dos discos mais fáceis de adorar que ouvi este ano.
Só uma música? Ouçam “I Need A Teacher”.
6 – Nick Cave & The Bad Seeds – Ghosteen
Ouvir Nick Cave nos dias que correm é estar a pedi-las. Em Ghosteen, o músico australiano consegue mais uma vez levar-nos pela mão num passeio que acaba, como tem sido hábito nos últimos anos, da mesma forma: na fossa. Tudo nele provoca dor, excepto a música propriamente dita. É um álbum lindíssimo que só nos permite perceber isso quando nos deixamos levar, mas o preço a pagar é o tempo que uma pessoa demora a levantar-se do chão. Mas vale tanto a pena.
Só uma música? Ouçam “Galleon Ship”.
5 – Better Oblivion Community Center – Better Oblivion Community Center
É um dos álbuns que mais ouvi este ano. À falta de um trabalho a solo de Phoebe Bridgers, esta colaboração dela com Conor Oberst teria de servir… e serviu. Mas não seria justo pôr as coisas apenas nesses termos. É um álbum de canções indie rock cheio de coração, com a ocasional piscadela de olho à folk e à emo, que não há como escapar às pancadas deles. Better Oblivion Community Center faz jus ao seu nome de falso centro de reabilitação e é um álbum equilibrado, coeso e cheio de bombons para os fãs da música de ambos.
Só uma música? Ouçam “Chesapeake”.
4 – Thom Yorke – ANIMA
Ver Thom Yorke ao vivo no NOS Alive foi… revelador. Não tanto porque não tinha reconhecido às canções de ANIMA, lançado uns dias antes, a qualidade que têm, mas porque não me tinha permitido estabelecer com elas a relação emocional que me faz precisar de ouvir música. E não o tinha feito porque partia para cada nova música de Thom Yorke a pensar “não é Radiohead, mas não está nada mal”. Depois disso, no entanto, o álbum fartou-se de rodar por aqui e deu para tudo: para curtir aquela batida, para mergulhar nas letras crípticas, para me perder nos pormenores que só um artista como Yorke é capaz de fazer.
Só uma música? Ouçam “Dawn Chorus”.
3 – Angel Olsen – All Mirrors
Cordas, sintetizadores e um álbum maior que a vida. All Mirrors faz pensar em como raio vai Angel Olsen conseguir fazer melhor daqui para a frente. Ouvir isto implica uma disponibilidade para sentir desconforto e nervos à flor da pele, mas é um pequeno preço a pagar para levar uma boa ensaboadela de um género musical que não é propriamente fácil de catalogar. Existe o género “não sei o que me aconteceu, mas adorei”?
Só uma música? Ouçam “All Mirrors”.
2 – Big Thief – Two Hands
Two Hands é o segundo grande álbum que os Big Thief lançaram em 2019, mas consegue superar o primeiro. Está cheio de canções bem rodadas ao vivo ao longo dos últimos anos e de recantos em que apetece ficar mais um bocadinho. É muito, muito bom. E é tão fácil ouvi-lo de uma ponta à outra. Algo me diz que vai ser um prazer continuar a regressar a Two Hands nos próximos anos.
Só uma música? Ouçam “Not”.
1 – Bon Iver – i,i
A música de Bon Iver continua a ser de uma entrega física, de uma honestidade emocional quase embaraçosa. E a minha ligação à música deles tem aqui um ponto-chave porque sinto que o que aquelas vozes e aqueles instrumentos dizem é evangelho. O que dali sai é a verdade. Por isso, continuarei a perder-me nos recantos de i,i e a emocionar-me com os seus muitos pontos altos. Por isso também, apesar de ser o pior álbum de Bon Iver, é o meu melhor álbum de 2019.
Só uma música? Ouçam “Naeem”.