Este é o primeiro de dois artigos sobre o melhor da música em 2019.

2019 foi um ano generoso. Digo isto porque imensas canções que adoro e me farto de ouvir ficaram fora do meu top 10, o que não é assim tão comum. Claro que, além disso, dediquei muito tempo a música de anos anteriores e deixei que me passasse ao lado muita coisa atual de que toda a gente fala, mas… já dei para esse peditório. Apesar de ter saído bastante da minha zona de conforto – nomeadamente em direção à pop -, esta lista não o reflete. Está cheia de canções grandiosas e de baladas bonitas. Musicalmente, é tão confortável como o colinho da mamã.

As melhores canções de 2019:

10 – The Staves – “Nothing’s Gonna Happen (Demo)”

Quando falo de conforto, é difícil bater isto. É uma demo, portanto presumo que vá haver uma versão mais vestidinha no álbum que as irmãs Staveley-Taylor têm estado a cozinhar. Por ser uma demo, estava reticente em relação a incluí-la nesta lista, mas porque não? “Nothing’s Gonna Happen” é uma balada folk muito bonita, com as habituais harmonias vocais a três, e faz-me ter saudades de quando descobri The Staves. Faz, também, com que esteja a rezar a todos os santinhos por um novo álbum delas.

9 – Purple Mountains – “That’s Just The Way That I Feel”

A morte prematura de David Berman foi uma tragédia. Nunca mais vamos ter poesia desta, mas pelo menos teremos sempre esta. Teremos sempre Silver Jews. E teremos sempre este presente de despedida agridoce. O piano de saloon empresta a “That’s Just The Way That I Feel”, música de abertura de Purple Mountains, uma alegria que ela não tem e isso torna-se óbvio quando Berman diz “And the end of all wanting is all I’ve been wanting”. É de partir o coração, mas é o que é.

8 – The National – “I Am Easy To Find”

O meu coração terá sempre espaço para The National, mesmo que já não lancem álbuns que me encham as medidas. Enquanto houver canções como “I Am Easy To Find”, uma canção-suspiro cheia de agitação e desespero discreto, não há problema. “There’s a million little battles that I’m never gonna win, anyway / I’m still waiting for you every night with ticker tape, ticker tape”, cantam eles. Também poderia servir para descrever a minha relação com eles nos dias que correm. É por canções como esta que assim é.

7 – Sharon Van Etten – “Seventeen”

Bastaria “Seventeen” para dizer que valeu a pena esperar quase cinco anos por um novo álbum de Sharon Van Etten. É uma canção de impacto imediato, sobretudo tendo em conta o catálogo dela. A energia pós-punk, os sintetizadores e a voz, sobretudo aquele bocadinho à beira de um ataque de nervos (ou, simplesmente, uma oitava acima), fazem de “Seventeen” um clássico instantâneo na carreira de Sharon Van Etten.

6 – Clairo – “Bags”

Esta miúda faz-se. Imaginem conseguir incluir um malhão destes no vosso álbum de estreia. Como diria José Mourinho quando chegou ao Chelsea pela primeira vez, you can’t. A produção de Rostam nota-se muito na percussão, mas o que mais brilha na canção é o registo vocal semi-inexpressivo de Clairo, que tem uma voz interessantíssima, mas manda versos cá para fora como quem lê os classificados. Não há como não adorar.

5 – Thom Yorke – “Dawn Chorus”

Continuando nos registos vocais semi-inexpressivos, Thom Yorke conseguiu encaixar praticamente numa só nota todos os versos de “Dawn Chorus” e o resultado final é simplesmente perfeito. “Dawn Chorus” soa triste, derrotada, final… mas todas as noites acabam numa aurora. E assim é com a canção também, que vai ganhando cor à medida que caminha para o fim. É lindíssima, é um tratado, é Thom Yorke no seu melhor.

4 – Strand of Oaks – “Weird Ways”

A canção abre o último álbum de Strand of Oaks tinha tudo para me cair no goto: coração na garganta, um bocadinho de slide guitar e um final daqueles. “Weird Ways” é uma daquelas músicas que tenho de repetir até à exaustão porque preciso daquela espécie de refrão final, do solo de guitarra, da bateria, de tudo… até me fartar. Ora, ainda não aconteceu, portanto não há como não a escolher como uma das minhas preferidas de 2019.

3 – Big Thief – “Not”

Parece um jogo de charadas, mas todas as pistas são sobre o que a palavra em falta não é. Mas uma coisa é certa: “Not” é uma viagem do caraças. Os Big Thief têm aqui um hino rock cheio de emoção e intensidade e guitarras e bateria e catarse. E, para uma canção que tem na repetição a sua principal característica, “Not” é estupidamente replayable. Parece bruxaria. Mas, como tantas outras coisas nesta canção, não é.

2 – Angel Olsen – “All Mirrors”

Angel Olsen continua a deitar paredes abaixo. All Mirrors, o álbum, é um duelo constante entre sintetizadores e cordas e é maior que a vida. E “All Mirrors”, a canção, é apenas o melhor e mais acabado exemplo do que acontece no álbum. É, a espaços, um bocadinho desconfortável nos ouvidos, mas é, também, um manual de instruções sobre como construir tensão para, depois, a libertar em estilo. “All Mirrors” é um autêntico monumento.

1 – Bon Iver – “Naeem”

i,i é o pior álbum de Bon Iver, mas não se deixem enganar pelos termos utilizados por mim: alguma daquelas maravilhas havia de ser a pior. Não faltam grandes momentos a i,i, mas nenhum chega tão alto como a épica “Naeem”. É um hino à construção de pontes (metafóricas, claro; talvez deixem o tema das infraestruturas para um álbum posterior), à empatia, ao coletivo. Nesse sentido, encapsula o espírito do álbum e o momento atual do projeto de Justin Vernon. É, também, a música certa para os tempos que vivemos. Mas nada disto interessaria se não fosse uma canção do caraças. Tem sangue na guelra e intensidade. Tem aquela coisa que faz fechar o punho, sabem? É uma canção de ação, de movimento… e é, tanto quanto consigo dizer, a melhor de 2019.