Com dois álbuns editados em três anos, The Smile parece cada vez menos nome de projeto paralelo.

Thom Yorke e Jonny Greenwood, os mais conhecidos, respeitados e virtuosos membros dos Radiohead, decidiram, em 2021, criar uma banda com Tom Skinner, na altura baterista dos Sons of Kemet. Esquisito, certo?

Imaginem Paul McCartney e John Lennon a fazerem uma coisa destas, no seu tempo. Ou Bono e The Edge. Ou os irmãos Noel e Liam Gallagher (que quase consigo imaginar a fazê-lo, por acaso). É mais do que esquisito — é absurdo.

Yorke e Greenwood são a força motriz dos Radiohead. Não ofende ninguém dizer que artisticamente, pelo menos, são os dois elementos principais da banda. O que pode levar, então, a dupla criativa dos Radiohead a querer juntar-se fora dos Radiohead?

Vá para fora cá dentro

Claramente, não é para fazer algo completamente diferente do que fazem com os Radiohead. Tanto A Light For Attracting Attention, álbum de estreia lançado em 2022, como o mais recente Wall Of Eyes estão bem próximos dos terrenos da banda. The Smile é, de resto, o projeto do universo Radiohead musicalmente mais próximo da nave-mãe. Porque será…?

Há uma parte de mim que ouve Wall Of Eyes e, por mais semelhanças que existam entre The Smile e Radiohead, rejeita a teoria da substituição. Porque não são os Radiohead. Porque lhes falta qualquer coisa para serem os Radiohead. Faltam, pelo menos, os outros elementos. E talvez falte algo mais intangível, não sei.

O que faz falta

Falta a pressão. Faltam as expectativas absurdas. Falta o processo criativo doloroso e angustiante. Falta o peso da história da banda.

Mas também falta qualquer coisa musicalmente. Falta o pingo de imediatez pop que os Radiohead sempre tiveram. Falta aquela coisa qualquer que pôs a música dos Radiohead no meu Olimpo.

Poderão argumentar que falta também eu ter 20 anos. Ou que me falta capacidade de olhar criticamente para os mais recentes álbuns da banda. Ou que me falta a capacidade auditiva para conseguir dizer isto enquanto ouço a magnífica “Bending Hectic”. Ou, mais cirurgicamente, que me falta admitir que não foram os últimos anos dos Radiohead que os colocaram no meu Olimpo.

Talvez falte. Mas sou franco. Eu ouço muito dos Radiohead em The Smile. É a mesma voz. É a mesma dupla criativa. Só que não é a mesma coisa.

É fazer as contas

Tem circulado por aí uma citação de Jonny Greenwood que, para quem gosta de coisas simples, pode ajudar a explicar a situação:

Sempre disse que preferia muito mais que os álbuns tivessem 90% da qualidade, mas fossem lançados com o dobro da frequência

Jonny Greenwood

Para mim, é a citação perfeita. Porque resume, em parte, o que sinto em relação a The Smile. São 90% dos Radiohead. A questão é que os 10% que faltam são os que faltam à maior parte dos grandes artistas e bandas e projetos musicais que não são os Radiohead.

Wall Of Eyes é um álbum excelente, mas trocava-o num instante por uma compilação de lados B dos Radiohead. Eles podem fugir da marca que criaram, mas eu não consigo fugir às comparações. É que eu sei quem são os membros da banda. E sei que têm uma banda um bocadinho melhor que não lança um álbum desde 2016.

A questão do título — se os Radiohead ainda existem — não tem resposta fácil, presumo, a não ser que sejam membros da banda. Talvez se tenham tornado numa espécie de SGPS ou marca umbrella. Talvez estejam a ver se conseguem conciliar agendas. Talvez queiram ser uma banda que só toca ao vivo (embora isso também já não aconteça há uns anos valentes). Ou… talvez tenham acabado de vez.

É certo que há vida para além dos Radiohead. The Smile, as bandas sonoras de Jonny Greenwood, os álbuns a solo de Thom Yorke, Ed O’Brien e Phil Selway. Mas, se é para viver, não é melhor fazê-lo a 100%?