Caro Jorge Barreto Xavier,
Certamente terá noção da quantidade de notícias que surgiram nas última 24 horas sobre a nova proposta de lei da cópia privada que o Governo está a preparar. O tema não é novo: o Partido Socialista apresentou um projeto de lei em janeiro de 2012 que incluía a ideia peregrina de taxar a 2 cêntimos por GB produtos que permitem armazenar dados como discos rígidos, CDs graváveis, etc. Mais tarde, em janeiro de 2013, a própria Secretaria de Estado desenterrou o assunto, desta feita com valores entre os 5 e os 20 cêntimos por GB. Nas duas vezes, o barulho das queixas foi muito superior ao dos gritos de apoio das entidades do setor da cultura.
Em 2014, a lei da cópia privada volta a ser desenterrada, qual zombie teimoso. Tanto quanto sei até ao momento, há três grandes alterações relativamente às versões anteriores:
1. Fala-se numa taxa de 15 cêntimos por GB.
2. Aparentemente, querem colocar um teto de 25 euros a esta taxa para evitar disparates que vão acabar invariavelmente por acontecer, tal como a disquete acabou por deixar de ser utilizada.
3. As outras duas propostas surgiram em janeiro, esta surge em julho – mesmo a tempo da silly season patrocinada pelo BES.
Corrija-me se estou enganado.
Não, a sério: seria possível partilhar com os portugueses a proposta que, segundo os meios de comunicação social, partilhou já com entidades do setor da cultura? Creio que seria muito útil para tornar esta discussão mais equilibrada e interessante.
O problema é que assim parece que o Governo está a tentar fazer isto pela porta do cavalo, envolvendo apenas sociedades coletoras de direitos e outras entidades com bastante interesse na aprovação de uma taxa com estas características. Até admito estar enganado mas não parece estar a pensar nos portugueses, Jorge. Mas não sei seestou enganado ou não… porque uma coisa é certa: o processo não está a ser transparente.
Relativamente ao valor da taxa e ao teto que visa mitigar a forma como a taxa é vista por nós, entidades do setor da vida normal, creio que está a apontar ligeiramente ao lado. É que o problema não é o valor, é o princípio.
Bem sei que o princípio já é posto em prática na lei atual, graças aos 3% de taxa que pagamos em CDs graváveis, discos externos e tudo o resto. Mas isso não faz com que seja certo. E repare que não tenho nada de fundamentalmente contra taxas de solidariedade – pelo contrário, acho que, à falta de melhor, fazem todo o sentido. Mas com base em quê?
Por um lado, assume-se que qualquer pessoa que compre um telemóvel ou um tablet, por exemplo, vai fazer uma cópia privada de uma obra protegida pelo direito de autor. Até percebo mas… é um bocado exagerado, não? É como se o legislador soubesse o que estou a pensar quando compro um produto deste género. Alguns poderão considerar romântico, eu acho um bocadinho “creepy”. E absurdo. E profundamente injusto. Não creio que a melhor forma de lidar com algo que se desconhece seja fechar os olhos e avançar a toda a força mas ei, ninguém votou em mim, certo?
Por outro lado, as entidades do setor da cultura não precisam de receber mais dinheiro por não fazerem nada de diferente. Precisam, isso sim, de mudar. De ir à luta, de tentar fazer melhor, como todos nós nos nossos trabalhos, nos nossos negócios, nos nossos… governos.
Não gosto que me tenha vindo à memória aquela coisa que George Orwell descreveu como “crimepensar” em 1984. A culpa não é sua, Jorge, é minha. Mas esta situação toda, esta insistência em algo que me parece tão claramente absurdo incomoda-me. Desculpe a franqueza.
Recomendo-lhe que vá acompanhando o que pessoas (pelo menos aparentemente) normais vão discutindo no Twitter sobre este tema através da hashtag #pl118.
Termino recordando-lhe apenas o objetivo principal desta carta: torne a proposta pública, deixe-nos participar nesta discussão.
Obrigado,
Filipe Marques
Esta carta foi enviada por email para o Gabinete do Secretário de Estado da Cultura.