“And you have to make amends, to make amends to me.”
Thom Yorke não escreveu isto para mim, mas podia ter escrito. Há mais de uma década que resumo o trabalho dele a solo com uma variante de “não é Radiohead, mas não está nada mal”. Não é uma descrição completamente descabida, mas é, pelo menos, um pouco preguiçosa. E eu preguiçoso me confesso.
Tenho pensado um pouco nisto nos últimos tempos, provavelmente desde que o vi atuar no NOS Alive. Foi um concerto muito bom e superou definitivamente as minhas expectativas. A questão é: porque é que as minhas expectativas para um concerto de Thom Yorke não estavam nos píncaros?
A resposta curta é: porque sou um imbecil. A resposta longa é um pouco mais complexa.
As expectativas de um obcecado
A minha obsessão pelos Radiohead tornou-se clara algures entre 2003 e 2004, já depois de Hail To The Thief ter sido lançado. Durante os anos seguintes, este fervor significou viver em fóruns sobre Radiohead e dedicar-me à caça de bootlegs de concertos, de novas canções e de uma espécie de sentido de pertença à comunidade. Foi neste contexto, ainda antes do repentino lançamento de In Rainbows em 2007, que Thom Yorke anunciou The Eraser, o seu primeiro álbum a solo. À falta de melhor (leia-se: Radiohead), teria de ser suficiente.
Escrevi, na altura e depois de ouvir algumas vezes o disco, o seguinte:
Este é um trabalho muito distinto de qualquer uma das obras dos Radiohead. Porque é só um dos membros, porque Jonny Greenwood só dá uma ajuda e porque, admitamos, não é tão bom. Não é tão complexo nem tão entusiasmante como um álbum dos Radiohead. Falta, ao trabalho a solo de Thom Yorke, amplitude e a montanha russa musical a que a banda de Oxford nos habituou. Ainda assim, The Eraser é melhor do que muitos dos “grandes” álbuns deste ano, é certo. Mas, quando se trata de um dos músicos mais brilhantes da actualidade, a fasquia acaba por ser um tanto ou quanto mais elevada.
É um parágrafo cheio de expectativas goradas. O homem não tinha culpa nenhuma, mas isso não me impediu. E a verdade é que, apesar de “The Eraser”, “Black Swan”, “Cymbal Rush”, “The Clock” e “Harrowdown Hill”, isto definiu o tom da minha abordagem à música que Thom Yorke editou em nome próprio a partir daí.
Em 2009, Thom Yorke deu ao mundo uma versão lindíssima de “All For The Best”, dos Miracle Legion, e um original, lançado com a banda sonora de The Twilight Saga: New Moon, chamado “Hearing Damage” que era muito, muito bom. Registei e segui em frente.
No ano seguinte, surgiu a entidade Atoms For Peace, nome de música transformada em nome de banda que incluía Flea, dos Red Hot Chili Peppers, o produtor Nigel Godrich, o baterista Joey Waronker e o percussionista Mauro Refosco. A banda começou por dar concertos por aí, mas acabou a lançar um álbum em 2013 chamado AMOK. E, mais uma vez, não faltavam malhões: “Ingenue”, “Amok”, “Reverse Running” e “Default” são alguns dos meus favoritos. Esta última acabou, inclusivamente, na minha lista de melhores do ano em 2012, já que foi lançada como single uns meses antes do álbum. Mas arriscaria dizer que o ano de lançamento foi também o último em que ouvi AMOK de uma ponta à outra.
Longe de merecer louvores, aparentemente
Tomorrow’s Modern Boxes, o segundo álbum a solo de Thom Yorke, apareceu em 2014. É provavelmente o trabalho menos interessante dele – isso mantenho -, mas “The Mother Lode”, “Truth Ray” e “YouWouldn’tLikeMeWhenI’mAngry” (lançado apenas com a edição em vinil na altura, mas disponibilizado como single online em 2017) são preciosidades que mereciam claramente mais destaque do que lhes dei. Por exemplo, acabei o pequeníssimo texto que escrevi sobre o lançamento na altura a falar do facto de os Radiohead estarem em estúdio. Há mais: apesar de ter colocado o álbum na minha lista de melhores de 2014, consegui arranjar espaço para escrever que “o trabalho a solo de Thom Yorke está longe de merecer os louvores que o mundo tem guardado para cada vez que os Radiohead lançam um álbum novo.”
2018 trouxe-nos a estreia de Thom Yorke nas bandas sonoras, com Suspiria. “Suspirium”, o primeiro single, levou-me a escrever coisas boas por aqui. Ainda assim, preambulei-as com a história do costume:
Perdoar-me-ão se vos disser que fiquei pouco entusiasmado com as notícias de que Thom Yorke se preparava para imitar Jonny Greenwood, a outra grande força criativa dos Radiohead, e entrar no mundo das bandas sonoras. Sou um grande fã da banda e atirar-me-ia à música assim que saísse, mas “entusiasmo” não seria a palavra escolhida por mim.
A banda sonora de Suspiria é uma bonita viagem. Quando nos dá canções propriamente ditas, fá-lo com beleza e emoção. Além de “Suspirium”, também “Unmade” e “Has Ended” merecem um cantinho especial no meu coração.
2019, o ano da epifania
Este ano, no entanto, houve uma combinação de fatores que contribuiu determinantemente para que esteja agora a escrever estas linhas. Em junho, Thom Yorke lançou ANIMA, o seu terceiro álbum a solo. No mesmo dia, creio, saiu uma curta-metragem no Netflix realizada por Paul Thomas Anderson que, na prática, funcionava como videoclip para três canções. E, apenas uns dias depois, Thom Yorke atuou no NOS Alive.
ANIMA tinha uns dias e eu tinha aquelas três canções na cabeça: “Traffic”, “Not The News” e “Dawn Chorus”. A primeira tem um final a que apetece regressar imediatamente a seguir. A segunda levou-me a dizer, durante o concerto, algo que nunca pensei dizer na vida: “gosto muito da batida desta música”. Mas é verdade. E “Dawn Chorus” é um tratado.
Ouvi as três no festival. Mas também ouvi umas quantas das que listei aqui anteriormente. E foi bom. Foi… revelador. Não tanto porque não tinha reconhecido às canções a qualidade que têm, mas porque não me tinha permitido estabelecer com elas a relação emocional que me faz precisar de ouvir música. E não o tinha feito porque partia para cada nova música de Thom Yorke a pensar “não é Radiohead, mas não está nada mal”.
Há meses, houve mais um lançamento ligado ao cinema: “Daily Battles”, criada para Motherless Brooklyn, filme realizado por Edward Norton. E, desta feita, o efeito foi bem mais imediato. E desafio-vos a não ficarem de queixo caído com isto:
Tenho voltado mais vezes à música de Thom Yorke a solo este ano do que nos últimos dez. Sinto que andei a perder tempo, mas o que pode um homem fazer? Não posso mudar o passado, é certo, mas posso criar playlists. E ouvir o que há para ouvir, que tenho de corrigir esta imbecilidade.